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domingo, 29 de abril de 2012

"PALÁCIO DO FIM"


TEATRO
CRITICA



IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
 (Especial)



Vera Holtz em "Palácio do Fim" - foto Guga Melgar
     A peça da canadense Judith Thompson aborda a questão do Iraque contemporâneo, a guerra em seu território e a decadência de um povo. É praticamente impossível, para alguém que não seja iraquiano (e para eles, principalmente)  procurar entender o que se passou em seu território com essa revoltante invasão estrangeira. Mas, como a escolha do diretor José Wilker recaiu sobre "Palácio do Fim", vamos a ela. Trata-se de uma faca de dois gumes, pois, ao mesmo tempo em que a autora acolhe depoimentos, ela tenta humanizar equívocos, como o representado pela atriz Camila Morgado, que ficou com a dificil (e triste) missão de mostrar a "banalidade do Mal", exposta já tão abertamente por Hannah Arendt em seu confronto com o nazista Adolf Eichman. Judith Thompson tenta humanizar uma fera bárbara, buscando trazer até nós comiseração pela soldado Lynndie. Puro lixo Ocidental. O talento de Camila Morgado desnuda-a. Porém a autora, ao mesmo tempo em que procura nos horrorizar com o horror que pode ser o cérebro humano, tenta nos aproximar, mostrando simpatia pela besta-fera, nem que seja para se solidarizar ao perceber (e deixá-la se perceber) como estava errada. A solução de Lynndie, desertar para o Canadá, redimir-se e não ser molestada, fala por si só.  
     Não satisfeita com essa tentativa de comiseração ocidental (nossos companheiros não são tão maus assim), a autora ainda tenta nos incutir uma enganosa aversão dos orientais ao comunismo, aversão essa que foi construída pelo Ocidente. Corrompido, Sadam Hussein aceitou fazer o serviço sujo até o fim, mas o grande genocida, criminoso de guerra verdadeiro é George W. Busch. Ele, agora,  não pode aproximar-se da Holanda por medo de ser enquadrado pelo Tribunal Bertrand Russel. Hussein foi amado por seu povo (é pena que o documentário feito por um francês, em tempos anteriores à guerra capitalista, tenha sumido do mercado).
    Vera Holtz, a nossa mais recente diva dos palcos (uma atriz cuja inteligência faz tremer os seus companheiros de cena), parece aceitar a versão ocidental, e nela crer. Para ela, que interpreta uma oriental como se oriental fosse,  Osama Bin Laden e Muamar Kadafi parecem ser os monstros que os donos do dinheiro ocidental querem nos vender. Perdoem-me se estou enganada e Vera Holtz consegue manter o distanciamento crítico de seu papel, que é representar o sofrimento de uma mãe muçulmana culpada, e politizada (elas também existem).
     Que desastre esse nosso mundo! O oriental é um povo cultivado - embora os orgulhosos ocidentais não acreditem - apenas a sua visão de mundo é diferente da nossa. Talvez o personagem mais coerente de "Palácio do Fim" seja o cientista interpretado por Antonio Petrin, com a sua habitual competência. Esse personagem enfrenta sem temor o seu complexo de culpa por ter mentido que os iraquianos possuíam armas de destruição em massa e, através de seu depoimento, justificar a guerra. (A pergunta de uma pacifista: por que os Estados Unidos e Israel podem ter "armas de destruição em massa",  e os outros países não, mesmo que seja para fins pacíficos, se justifica).  
     O Oriente é uma região dividida em tribos (o Islamismo fabricou as correntes provenientes de Maomé: os sunitas, originária do ramo de Aixa, esposa-criança de Maomé; e os Xiitas, do ramo de Fátima - irmã do profeta). A fratria e os assuntos religiosos comandam a região. Exacerbar neles o conflito capitalista é uma perversão. O mundo deles é outro, o valor e o poder é representado por outros interesses, que vão além do dinheiro. Em "Palácio do Fim" o diretor optou por dar destaque às diferenças, exacerbando-as. O texto é um entremeado de depoimentos, e convida a essa divisão. A luz de Maneco Quinderé reforça-as; assim como o cenário multifacetado de Marcos Flaksman. A criação musical, que dá contorno aos acontecimentos, é de Marcelo Alonso Neves. Figurinos de Beth Filipecki e Renaldo Machado integram-se à ação. Tem razão o diretor, quando diz: "Talvez tenha a ver com a vida. Com algo de vida que nos escapa, cujo sentido não é, de imediato, compreensível". Ele está se referindo, no texto do programa, à sua escolha e à paixão pelo teatro. Alongando o sentido da frase, podemos estendê-la, também, como sendo a compreensão do texto e do contexto. Os orientais são um povo que "nos escapa". Thompson, para entendê-los, precisava ser menos ocidental. 








sexta-feira, 20 de abril de 2012

"ECLIPSE"

(VIAGEM LIVRE À OBRA DE TCHECOV)

CRÍTICA
TEATRO SESC GINÁSTICO
CENTRO
Cena final de "Eclipse" - foto de MiguelAun
   - RJ -

IDA VICENZIA

Biscoito fino, embora com alguns condimentos a acertar, na receita, o Grupo Galpão nos surpreende mais uma vez.  Esse grupo mineiro, que já trouxe ao Rio de Janeiro espetáculos memoráveis, dessa vez ocupa-se de Anton Tchecov (1860-1904). Com direção do russo Jurij Alschitz, desconhecido entre nós, a incursão à chamada "alma russa" é feita com segurança e leveza. (Os condimentos a serem ajustados são alguns problemas de fragilidade de voz de alguns atores, nada que prejudique o todo). A maneira como é apresentada a arte de Tchecov é a grande chave do espetáculo,  que se complementa com cenografia e figurinos também de Alschitz. Deles falaremos mais tarde.

     "Eclipse" parte de uma ideia de confinamento, algo misterioso e lunar, apesar de o sol ser o grande contraponto. Cinco atores-personagens jogam com histórias, contos e dramas criados por Tchecov, o grande artista que inspirou e ainda inspira artistas de todo o mundo. O interessante, na atmosfera da peça, é que atores e personagens vão desvendando suas personalidades, em uma proposta desafiante e sutil. Principalmente sutil, para quem tem alguma intimidade com a obra de Tchecov. Assim, ao mesmo tempo em que vemos a gaivota dominar a cena, vemos Nina (na voz da atriz Lydia del Picchia), apresentar a sua exaltação à Arte, ao Talento, à Vocação, temas tão queridos ao autor. A personagem da atriz (del Picchia), faz a defesa de sua visão de mundo e este jogo duplo se reproduz, sucessivamente, entre os atores. Os amantes de Tchecov se regalam. 
     Assim, ouvimos o ator Julio Maciel (que já dirigiu  espetáculos no Galpão), fazer a defesa do "eterno-estudante", personagem marcante do autor russo; e também o ator Chico Pelúcio nos transmitir (com grande maestria), um dos contos de Tchecov sobre médicos: experiência de vida, realidade e ficção do autor. Enfim, entramos no mundo dos "saberes" russos pela mão segura de um diretor que conhece o assunto. Fascinantes são os recursos encontrados para equilibrar os atores, os personagens e o "homem comum" que vive em cada um deles (de nós). Simone Ordones e Inês Peixoto, por exemplo, transmitem a própria encarnação da "alma russa": a primeira tratando da sua religiosidade e a segunda do "caos e aventura" daquele povo tão distante e tão semelhante (a nós).                        
     O cenário é um capítulo a parte. O eclipse do sol fecha as portas da comunicação com o mundo, e fica-nos apenas uma sala, esquematizada no mais puro modernismo russo. Os ângulos fechados, as cadeiras pop-art e, dominando a cena e introduzindo a ação, o quadro negro de Malevich, que vai sendo  desenhado (com letras que lembram o alfabeto cirílico e a época revolucionária da "virada russa"), os contos apresentados, a "Groselheira";  a "Sopa"; o "Médico de Província" (esse, uma paixão que Tchecov desencadeia, uma filosófica reflexão sobre o humano). O final deixo para o espectador desvendar. Os figurinos (também do diretor), compõe as cenas, alternando modernidade e romantismo. Neste último, destaque para Lydia del Picchia, a bailarina clássica (paixão russa), de meias vermelhas e coração romântico. A visita do Galpão é temporada breve. Aproveitem este estranho encontro.    

domingo, 15 de abril de 2012

ANTES QUE VOCÊ ME TOQUE

Ao alto: Saulo Rodrigues, Cristina Lago e Igor Angelkorte.
À esquerda baixa: Claudia Mele
CRÍTICA
"BOATE" 2A2
COPACABANA
      - RJ -

IDA VICENZIA


Nunca pensei que fosse escrever sobre uma peça que falasse em swing, porém, guerreira da década de 70 que sou, saí da Boate 2A2, em Copacabana, com a encenação me  acompanhando, e hoje de manhã, dia 15, um domingo, "Antes que você me toque" venceu. O jovem diretor, Ivan Sugahara, de maneira bem-humorada e sensível, está querendo que a gente entenda, de uma vez por todas, como o sexo pode ser uma experiência viva, "descomplicada" (?) e bela de se viver. Único senão: às vezes as cenas ficam um pouco repetitivas, dando uma sensação de enfaro, sentimento esse que é um perigo, em se tratando de sexo.
     Pois bem, cada um tem sua visão pessoal e intransferível da repressão sexual em que vivemos. Imaginem se todo mundo resolvesse, como queria a minha geração, fazer amor e não a guerra! Em primeiro lugar, estaríamos livres da indústria do armamento. No programa, Claudia Mele (que desenvolve a dramaturgia com Sugahara), diz que também a indústria do sexo é poderosa. Eis um poder que é bom se falar sobre: o sexo natural, sem culpa e sem cobrança. Parece-nos que é isso o que o diretor e seu grupo querem, ao alertar sobre os prazeres e desencantos do sexo. Em todo caso, os encontros que acontecem no cenário do 2A2 em nada se assemelham às novelas pornô da Rede Globo.
     No início do espetáculo, o desenvolvimento do texto e a ação beiram à genialidade, sem a crueldade de Sade ou a depravada decadência de Bukovski: estamos na presença de um tratamento novo para o assunto. Na cena, dois jovens se encontram na noite, e se atraem. Para nossa surpresa, as palavras que trocam não se revestem do óbvio, como costuma acontecer nestes encontros, mas são a tradução do que se passa no organismo de quem se submete à pressão sexual: veias, glândulas, órgãos, tudo junto elaborando e desenvolvendo a conexão. E os atores a relatando. Perfeito. Didático, quase. E poético - como, aliás, é poético o final do espetáculo. E, entre a primeira e a última cena temos várias combinações do que podem ser os encontros amorosos, da infância à juventude. Os dois autores só esqueceram como pode ser o encontro sexual dos velhos. Talvez o diretor não o tenha feito por motivos óbvios: como a extrema juventude dos atores poderia reproduzir a sexualidade senil, sem transformá-la em comédia?
     Por falar em comédia, temos na cena do swing uma das mais teatrais do espetáculo. A juventude e a maneira pela qual a sexualidade é abordada livra-nos do que, em geral, costuma ser essa linguagem do sexo: decadente e devassa, obedecendo a receita de Nelson Rodrigues. Todos os tipos de sexualidade são tratados de maneira natural. E não é uma brincadeira de criança, a imagem da atividade sexual é simplesmente humana. Afinal, sexo é vida, embora a nossa sociedade ainda viva, a esse respeito, o cruel pesadelo de Tânatos.        
     No elenco Claudia Mele, Cristina Lago, Igor Angelkorte e Saulo Rodrigues desenvolvem, com arrojado desembaraço, as complicadas situações exigidas pelos seus personagens. Os quatro compõe, com equilíbrio perfeito, as mais variadas situações que a imaginação sexual possa criar. São atores seguros de seu desempenho, o que, no caso, talvez não seja tão fácil assim. A cenografia de Nello Marrese e os figurinos de Tarsila Takahashi se complementam, na ação. Destaque às correntes, como sugestões do inconsciente. Iluminação de Renato Machado. Ivan Sugahara dá vida à ação também com a trilha sonora por ele elaborada. Observamos que o pintor realista Gustave Courbet faz parte dessa história. Menino ainda, o diretor assistiu a exposição do pintor francês e guardou para si a imagem do quadro "A Origem do Mundo". Trinta anos depois, ele pode externalizar o seu encanto.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

'EM NOME DO JOGO"

TEATRO CRÍTICA
 IDA VICENZIA
 "EM NOME DO JOGO"
MAISON DE FRANCE
           - RJ -

 INTRODUÇÃO: Frequentei o Teatro Maison de France dois dias diferentes, na mesma semana. Tal experiência mostrou que "Em nome do jogo", escrito por Anthony Shaffer, traduzido por Marcos Daud e adaptado pelo diretor Gustavo Paso e os atores Marcos Caruso e Emílio de Mello, é uma peça cheia de sutilezas e pode ter carreira variada, dependendo do público que a assiste. Na quinta-feira, 5 de abril de 2012, cercada por barulhinhos de bala e risadas de gargarejo, vi um espetáculo "estranho", para o que se convencionou chamar de "gênero policial". Trata-se de uma versão renovada do mesmo - segundo os críticos ingleses. Pensei em repetir a experiência, e depois escrever sobre. Foi o que fiz. "Sleuth" ("Detetive"), é o nome da peça, em inglês. Os detetives são personagens importantes, nos romances policias.

                                                                                                          (foto Guga Melgar)   
                                       
CRÍTICA: A peça "Em nome do jogo", ora apresentado ao público carioca, tem um poder que somente o teatro alimenta: possui diversas versões dramatúrgicas, pode ser comédia, farsa, tragédia... O trabalho do diretor  Gustavo Paso (co-direção de Fernando Philbert), dá destaque a esse jogo. Na "comédia" da quinta-feira, dia 5, o "sleuth", cujo nome sugestivo é Doppler (Duplo)  (parece até coisa de "Testemunha de Acusação", de Agatha Christie, seria uma homenagem de Anthony Shaffer?), era um ser insone (como costumam ser os detetives do cinema), porém, carregado de mazelas a ponto de o público sentir, no início de sua intervenção, que ele não seria capaz de solucionar crime algum. É verdade que o personagem vai crescendo e domina a cena, com mazelas ou não. A sua segunda versão, a de domingo, 8 de abril, é bem mais comedida, educada, quase, o que lhe tira um pouco do sabor decadente. Um pouco. Pois bem. Por que estamos citando estes detalhes? Talvez por ser essa peça um jogo em aberto. 

       "Em nome do Jogo" é composta de três rounds, uma introdução e um epílogo. Na introdução, o famoso escritor de romances policiais, interpretado por Marcos Caruso, mostra ao público, e a um suposto "detetive" Edmond, personagem de sua imaginação, como desvenda os crimes, em seus livros. Observamos que, durante a peça, a brincadeira com os detetives (famosos ou não) é um contraponto. O segundo movimento - Iº round - é a chegada do convidado especial, interpretado por Emílio de Mello. E a trama se inicia. Trata-se de um triângulo amoroso. Nas histórias de detetive, a mulher é sempre a desencadeadora da ação, daí o clima um tanto febril que se apodera dos homens, neste gênero de literatura. Marguerite, a esposa e amante, consegue ficar tão presente em sua ausência que se transforma no terceiro personagem. E muitos outros ainda irão se concretizar...  

       A peça toda é uma competição para saber quem é o mais sagaz dos dois homens em confronto: o marido (Caruso) ou o amante (de Mello). O primeiro round é vencido pelo escritor; no segundo há um empate, sendo o terceiro round vencido pelo amante. Este round é decisivo para o epílogo. E o ódio entre os dois se alimenta. Na versão de domingo pude ver o mais delicioso jogo de atores, sincronizado, liberto, prazeroso. Não há erros, as setas acertam o alvo. No cenário, uma curiosa concepção de ferro e madeira, de Ana Paula Cardoso e Carla Berri, a linha pop-cult está presente, principalmente para alimentar o terceiro round, que se propõe um show de interpretação entre os dois atores. É aí que o ódio alcança proporções insuspeitadas, e ele se exterioriza nas expressões contidas do personagem de Marcus Caruso e na exuberância desafiante do personagem italiano de Emílio de Mello: "Nunca entro em jogos por esporte". Quem leva a melhor? 
    
      A iluminação de Jorginho de Carvalho pontua com acerto a ação, dela extraindo momentos de real suspense, unida à trilha sonora de Caíque Botkay, e às imagens do olho eletrônico que controla os movimentos da casa. Havia, no domingo 8, grande atenção e envolvimento da parte do público, outro personagem importante. E os figurinos e adereços de Teca Fichinski. Aconselho a todos os públicos  a assistirem "Em nome do jogo". Mesmo os que não se interessam muito por romances policiais. Eles se surpreenderão, não só com os diálogos, da mais perfeita inteligência criativa, mas também com os jogos destes dois grandes atores.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

A ILUSÃO CÔMICA


CRITICA TEATRAL
A ILUSÃO CÔMICA
(CCBB - TEATRO III)
             - RJ -


     Comemorando a sua maioridade (21 anos) a Cia. Razões Inversas, originária de Campinas/SP, e atualmente com sede na capital, trouxe ao Rio de Janeiro sua montagem (inédita no Brasil), do texto de Pierre Corneille (1606-1684): "A Ilusão da                 Comédia" (tradução e adaptação de Valderez Cardoso Gomes) . Mesmo para os estudiosos do teatro, é curioso ver o nome de Corneille envolvido com o grotesco e o risível. Nome conhecido por suas grandes tragédias (Le Cid, Horace, e tantas outras), é curioso estar subitamente envolvido em mecanismos que relembram a Commedia Dell 'Arte italiana.
      Mas as surpresas não param por aí.
     Ao contar a história do burguês Prindamante (Clovis Gonçalves), que procura seu filho Clindor (Paulo Marcello), o diretor paulista Marcio Aurélio (também criador da Companhia),  desenvolve com maestria a intrincada obra de Corneille - que, por sua vez, diverte-se, muito jovem ainda - aos 29 anos - escrevendo, em 1636, este exercício de metalinguagem. Márcio Aurélio captura o espírito da commédia italiana proposto pelo autor, e o transforma em uma instigante "investigação da linguagem espetacular". Para tanto, não lhe falta material:
      A história da vida do filho perdido é assistida, fora da cena, pelo pai, história essa recapturada pela narrativa de um mago (Alcandro, interpretado pelo excelente Joca Andreazza, ator que se desdobra no Matamouros da Commedia Dell' Arte, em atuação "remarcable"). O cenário por onde Alcandro e Matamouros trafegam é um palco-caverna negro, de autoria de André Cortez. O cenógrafo e figurinista (assina os figurinos em parceria com o diretor, que também faz a iluminação), optou pelo  negro no palco e no fundo da cena, fugindo ao tradicional colorido italiano da commédia. Aliás, as cores só aparecem nos figurinos femininos: quanto mais colorido for a personagem, mais infeliz ela será. 
     A partir do Primeiro Ato (a cena é dividia em 4 Atos e um Prólogo),  testemunhamos os versáteis atores trafegarem em inimagináveis composições de personagens (destaque para o já citado Joca Andreazza e para a Lavínia Pannunzio, surpreendendo entre as suas criações da Serva (Lisa) e da Rainha (Rosina). Isabel, a infeliz representante da sôfrega burguesia (Maria Stella Tobar), uma atriz que desenvolve com talento as duas fases da personagem: o da filha sendo obrigada pelo pai a casar por interesse, e sua segunda encarnação, a da mulher desiludida (ela, e a serva, nesta cena, resplandecem em vermelho-sombrio, e isso não é um paradoxo).
     Elenco impecável, cujo bom desempenho é traduzido pelo trabalho desenvolvido em grupo. Paulo Marcello é um Clindor sabor doce-irônico. Julio Machado faz os papéis de Adastro e Erastro. Como estes atores da Companhia são tão versáteis (quase não reconheci Rosina, interpretada por Lavínia Pannunzio, parecia-me outra atriz, mistura de Regina Braga com Emilia Rey!), tenho receio de afirmar que o rapaz que aconselha ao desesperado pai os serviços do mago, no Prólogo de espetáculo (Gonzaga Pedrosa?), seja também o pai de Isabel; e Júlio Machado o carcereiro, seja o pretendente de Isabel. Desempenhos exemplares, como também o é a capacidade de criar tipos, do elenco. Estranha troupe! Tamanha incerteza é devido ao afã de me render ao espetáculo, e medo de romper com o bem senso que rege a crítica! 
       Aconselho ao público não perder este A Ilusão Cênica, digo Cômica, pois ficarão, como eu, transportados a uma região onde tudo pode acontecer. Principalmente o inusitado final.