Páginas

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

FAZENDO HISTORIA

Alunos de Fazendo Historia, tendo ao centro o professor Hector (Xando Graça), e à direita o professor Irwin ( Mouhamed Harfouch). Foto Guga Melgar.

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)

Fazendo Historia, de Alan Bennett, é a segunda peça deste autor que tenho o prazer de assistir. Em geral, são histórias expressivas, vivas e com um ritmo perfeito. Este Fazendo Historia é a respeito das várias maneiras utilizadas para educar um adolescente (trata-se de um colégio para meninos), dependendo do ponto de vista do professor. Interessante proposta. Professores originais podem se transformar em palhaços? O texto desperta esta, e muitas outras questões. Naturalmente, a proposta é muito inglesa e, no caso, universal. O autor se refere a jovens que querem realizar o sonho máximo de todo menino, entrar para Cambridge ou Oxford. As duas faculdades são míticas, e é a partir deste mito que o jogo começa.

A tradução, muito boa, é de José Henrique Moreira, e a direção - a primeira de Glaucia Rodrigues - enfatiza, com rara perfeição, as características de cada personagem. A destacar, o trabalho de Xando Graça interpretando o professor Hector e suas aulas cheias de teatralidade, ensinando liberdade a seus alunos. Um trabalho cuja perfeição é digna de um prêmio.

Porém, nesta peça de Bennet, é difícil destacar trabalhos particularmente interessantes, pois ela é feita de recordações deliciosas do autor, envolvendo atores e público. Recordações deliciosas todos temos, por exemplo, quando Scripps, interpretado pelo carismático ator André Arteche, dá vida a este maravilhoso instrumento que é o piano. Sempre há alguém na platéia que recria algo em seu coração: uma imagem da infância, um pianista em sua própria casa.

Portanto, a primeira atenção foi para André Arteche e seu piano. Os garotos, em geral, possuem atuações excelentes, além de Arteche. Temos  Hugo Kerth e sua bela voz, interpretando Posner; ou o personagem Dakin, (interpretado por Renato Góes), que representa o despertar do sexo (e seu poder) entre os que compartilham da ação. Mouhamed Harfouch é outro ator carismático que possui grande força e concentra, em seu professor Irwin, um inesperado poder de transformação. Seu personagem é, talvez, depois do professor Hector, o mais forte.

Destacamos ainda o difícil interpretar de Nedira Campos (professora Dorothy), cuja “seriedade” torna-se ainda mais inibidora devido ao rigor de seu figurino, que lhe prejudica inclusive a expressão corporal. A professora Dorothy é o único personagem feminino, e tem a difícil missão de falar sobre a sua experiência (enquanto mulher) responsável por aquela turma de rapazes que só admite a mulher em seu papel de mãe, “porque a mulher é um ser que “tem peitos”, segundo eles.

Porém, a nossa querida Nedira Campos, com a sua suavidade, não é a única que carrega um personagem difícil. Também Edmundo Lippi, como o Diretor, é sobrecarregado com a responsabilidade de dirigir um colégio de rapazes. Lippi realiza, com eficiência, a sua missão. Os jovens, em geral, estão muito bem afinados com a direção de Rodrigues. A destacar o muçulmano Akthar, interpretado por Guilherme Ferraz, e Rafael Canedo fazendo o suave e esperto Timms; ou Yuri Ribeiro e seu revoltado e inseguro Rudge. Helder Agostini (Lockwood), e Ricardo Knupp (Crowther), tem interpretações mais discretas, porém eficientes.

Em linha geral, Fazendo Historia é um espetáculo bom de se assistir, divertido, delicado e nostálgico. Tem tudo para agradar, porém em sua ficha técnica temos algumas observações a fazer: a principal delas é a respeito do trabalho de Dani Vital & Ney Madeira, sempre tão corretos. Há, na cena final, certa austeridade no figurino cinza de Arteche, sufocando os movimentos sempre tão espontâneos do ator/narrador. Algo semelhante acontece com o figurino da professora Dorothy, citado anteriormente. Os demais figurinos, principalmente o do professor Hector e dos alunos, são de feliz inspiração. Direção Musical excelente de Edvan Moraes; Iluminação, Rogério Wiltgen; Cenário, José Dias. Assessoria de Imprensa, Ana Gaio; Fotos Guga Melgar; Produção Executiva, Guilherme Palmeira; Direção de Produção, Valeria Meirelles.   




domingo, 14 de dezembro de 2014

OS INTOLERANTES

Ivone Hoffmann, Carla Faour e Celso Taddei, em Os Intolerantes, direção Henrique Tavares. (Foto Divulgação)


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

Os Intolerantes, dramaturgia de Carla Faour e Henrique Tavares, em cartaz no CCBB/Rio, desperta uma série de questões sobre o gênero humano. Há quem diga que este gênero é um projeto inviável. Há humanidade nas pessoas? Os autores basearam-se, para escrever o texto, em um fato real que os deixou extremamente chocados: a visão de um ser humano amarrado a um poste, pela suspeita de ter realizado um furto. A foto, que saiu nos jornais, era realmente chocante: um jovem negro, preso a uma corrente, parecia ressuscitar os tenebrosos tempos da escravidão. Colocando em nossos tempos, a agressão talvez nem seja mais uma questão de raça, mas de degradação social. Ou os dois.
Sim, estamos perdendo a humanidade. Para provar isso, Tavares e Faour colocaram em cena diversos tipos de gênero humano, cada um interpretando o ocorrido conforme a sua visão de mundo. Apenas uma jovem estudante, Guida (Day Mesquita), consegue externar revolta pelo que está testemunhando. Ela, que poderia ser um "novo patamar para a civilização ocidental", ao se indignar é desrespeitada.
O que o teatro tenta fazer, e algumas vezes com sucesso, é mostrar essa indignação. No caso, a jovem estudante não tem, sozinha, o poder de modificar a rota errada em que nos colocamos, mas representa um novo caminho. Ao se indignar, começa a mudar o que parece imutável. Faour e Tavares lançam um olhar atento sobre os humanos. Este Os Intolerantes atinge tal patamar de indignação que faz os autores colocarem uma espécie de ponto de interrogação, no final. É impressionante o final "oswaldiano" (de Oswald de Andrade), ou talvez felliniano (de Federico Fellini...), de todo mundo ir para a praia, ou para o deserto... dançar!
Muito bom.
Quanto às interpretações, destacamos o poder de intérprete de Ivone Hoffmann no papel de Edith, uma representante do "lado errado da indignação". Edith, uma senhora desamparada, que foi assaltada, revela-se uma verdadeira fraude quando sua indignação é posta em questão. Nada é óbvio ou gratuito, neste texto, embora a colocação dos personagens, na primeira cena, levante a suspeita de tal conclusão. Há situações esperadas, como a do casal Suzana e Amadeo, interpretados por Carla Faour e Celso Taddei, mas os atores conseguem colocar em suas cenas um humor inesperado. Preconceituosos, os dois, a dondoca classe média de subúrbio (Carla Faour) e seu marido nordestino (Celso Taddei), fazem um casal quase folclórico. Imagina-se que tal colocação se manifesta pela necessidade dos autores de colocar alguma coisa tipicamente brasileira em cena.
Nada preconceituoso, no caso, pois o espetáculo se propõe a batalhar contra o preconceito. Vendo-se sob este aspecto, trata-se de um espetáculo difícil, pois os intolerantes que desenvolvem a ação representam o próprio preconceito! Há que iluminar essa contradição. A proposta é gigantesca, e  merece a nossa atenção. É muito fácil rotular um espetáculo. No caso de Os Intolerantes não há rótulos, mas procuras. 

O foco é Caco, o jovem semi enforcado, brilhantemente interpretado por Eder Martins de Souza. Há, no final, a redenção da raça negra, exaltada em sua formosura e orgulho por Eder Martins de Souza. Aí sim, o espetáculo transforma-se em pura alegoria. Em geral, os atores seguram bem os seus papeis. Há uma certa frouxidão em Sérgio Abreu (Pan), nada de muito grave, mas que deixa em aberto a dubiedade de seu personagem. E não se trata de sutileza. E Leandro Santanna é um herói brasileiro, é Batman...  

A dupla de realizadores deste espetáculo é das mais interessantes da nova geração. É bom acompanhar o seu caminho. Henrique Tavares, na direção, procura enfatizar o absurdo da situação. Texto e direção parecem desenvolver uma tensão constante entre eles. Uma procura. Ficamos em dúvida, assim como seus criadores  - o ato da criação trás as suas surpresas - de que o texto os pega, continuamente, em sua profundidade. Vale à pena dar uma olhada, no teatro, nesta representação do gênero humano em vias de falência.      
Na ficha técnica (excelente) temos José Dias na cenografia; Patricia Muniz nos figurinos (muito boas as mudanças de personalidade, no final, e seus  figurinos extravagantes); Iluminação de Aurélio de Simoni; Diretor Assistente Anderson Cunha; Direção de movimento Hayla Barcellos; Visagismo: Evânio Alves; Operador de luz: Marcelo de Simoni; Operador de som: Claudio Lisboa; Assessoria de Imprensa: Ney Motta.        

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

BLACK BIRD

Viviani Rayes (Una) e Yashar Zambuzzi (Ray), em Black Bird, direção de Bruce Gomlevsky. 
   


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

Vejam só, meus amigos, a crítica emudeceu. E, para ganhar tempo, volto a falar a respeito de espaço cênico. O impacto que espetáculos dramáticos, cuja carga emocional colhe de surpresa o espectador, perderiam a sua força em um palco italiano de 700 lugares? Penso que sim. É impossível pegar o público com tal intensidade se o espectador não sentisse, face a face, a respiração do ator. O espaço Rogerio Cardoso, do Centro de Cultura Laura Alvim, proporciona este contato.
E não só isso. É preciso também que o espetáculo tenha força o suficiente para tal arrebatamento. Estamos falando de Black Bird, e seu inesgotável poder de atrair o público. O Grupo Tapa, há algumas semanas atrás, nos trouxe algo referente ao assunto, porém, se a extensão do problema estarrecedor é tocado quase como um detalhe em Retratos Falantes, de Alan Bennet, o autor de Black Bird, David Harrower, nos coloca frente a frente com este problema ocidental.
Não conheço estes autores que nos remetem à tensão de um Eugene O'Neill, mas eles sempre serão bem vindos. No caso de Bennet, já o conhecia de A Loucura de George III, o filme, o mesmo não acontecendo com David Harrower, este autor impregnado de compaixão.
Falei acima em um problema ocidental, e volto a ele. Os adolescentes, como todos nós sabemos, são criaturas fascinantes, do ponto de vista sexual. Na sociedade oriental não há este problema de atração de opostos, pois o assunto é resolvido colocando em prática, muito cedo, toda a emoção que uma jovem (ou um jovem) pode causar a um adulto. Isto faz parte da natureza humana. A sociedade ocidental criminaliza (ou criminalizava) também outros tipos de atração, como o das pessoas do mesmo sexo.         
Mas no caso de Black Bird, a emoção dos atores, a perfeição de sua atuação, nos deixa duplamente surpreendidos. Como o homem se sente culpado! Como a ex-adolescente não perdoa algo que a fascinou! Estes são problemas advindos de um preconceito social. O caso que se relata não foi estupro, foi atração, amor, e respeito. E é isso o que nos deixa estarrecidos, como a nossa sociedade ainda é dominada pelo medo do sexo. Há, porém, um agravante nesta história toda: do sequestro da menina, e a pena de quatro anos e meio que, na vida real, sofre o fuzileiro naval americano. O autor, em Black Bird colhe apenas o início da confusão mental, e sexual, em que Ray (interpretado por Yashar Zambuzzi), se debate. Para quem não conhece a história, é fácil imaginar que a aventura de um adulto com uma adolescente abriu-lhes as portas para o amor proibido. Para Ray, foi a sua condenação definitiva. No final da cena temos a intervenção de uma jovem (Bella Piero), e o texto de David Harrower nos leva por caminhos que irão ao encontro de uma nova Lolita e sua vítima, e a historia de Ray deve continuar.   
Não conhecia o ator Yashar Zambuzzi. Em sua surpreendente interpretação de Ray, o personagem que se condena como um criminoso, há o jogo selvagem de alguém que domina os mistérios da interpretação. A dupla de atores põe fogo naquele ambiente limitado entre as janelas fechadas de um porão, e a porta que poderia levá-los à salvação. "Una" (interpretada por Viviane Rayes), é a jovem mulher que quer acertar as contas com o seu primeiro amor. Insolência, entrega e perplexidade fazem da personagem um trabalho de exceção para qualquer atriz. Viviane Rayes, em sua fragilidade, aumenta a credibilidade da situação. Bella Piero é uma bela presença de Lolita, que abre caminhos novos - e aterrorizantes - para quem não resiste aos encantos de uma ninfeta.
Na ficha técnica temos a mão segura de Bruce Gomlevsky na direção, em pleno acerto com o tema escolhido. Tradução de Alexandre J. Negreiros; Cenario de Pati Faedo (muito bom); Música Original de Marcelo Alonso Neves; Iluminação, com todas aquelas nuances e sutilezas de um pincel de artista, de Elisa Tandeta; Figurinos de Ticiana Passos (nos quais o "esconde-revela" dos personagens dá um suporte essencial à cena). Excelente espetáculo.
                                                  

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

AS BODAS DE FÍGARO

As Bodas de Fígaro, direção de Daniel Herz. Ernani Moraes (Almaviva); Leandro Castilho (Fígaro); Carol Garcia (Suzana) e Solange Badim (Condessa de Almaviva). Ao fundo, Alexandre Dantas.
                                                          (Foto Paula Kossatz).



IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

O diretor Daniel Herz exercita a sua já conhecida verve criativa neste As Bodas de Figaro, de Beaumarchais, no teatro da Casa de Laura Alvim.  Local precioso, para um trabalho precioso. Finalmente, para regozijo do público, foi-lhe dada a chance de assistir a uma peça em que tempos políticos e acontecimentos sociais se misturam. Um momento muito particular.
Podemos dizer que montar Beaumarchais, agora, no Brasil, não é somente um caso de diversão. O Figaro do século XVIII, na França, lutava contra os privilégios da nobreza; agora, no Brasil, a audácia inteligente de Fígaro talvez já esteja aí, desejando a dessacralização das "Excelências". Talvez seja um caminho aberto, como o de "uma certa deputada gauchita" que trata a todas as excelências com o "tu és"; "tu dizes" dessacralizador.  
 Por isto destacamos a maravilhosa cena em que Beaumarchais/Herz mostram o julgamento de Fígaro. No caso de Herz, um juiz caquético (um excelente Alexandre Dantas), faz o que costumam, em geral, fazer os magistrados: uma confusão que não leva a nada.  
Mas vamos falar agora do Conde de Almaviva e seus desmandos. Ernani Moraes é, realmente, aquele ator que dá vida a uma cena teatral. Está, claro, um excelente Almaviva, desafiando com vigor aquela juventude (atores e personagens) que o cercam. Todas as vezes em que ele joga com sua expressão facial, tudo para. O único reparo, no dia em que fui assisti-lo, refere-se a algum problema com a sua possante voz, que se desmontava, quando dirigida ao fundo de cena. Algum problema, talvez, de respiração, desmentido logo em seguida pelo vigor com que enfrentava o seu canto. Mistério.   
Há, para quem assiste ao espetáculo, uma deliciosa brincadeira com sutilezas de linguagem. E voltamos ao julgamento de Fígaro (um ótimo Leandro Castilho, por sinal. Soubemos, pela ficha técnica, que ele também é o responsável pela inacreditável música do espetáculo e pela distribuição dos instrumentos a cada ator, que os executam com esfuziante perícia).
Fígaro/Leandro Castilho está ao piano, ele dá o tom. O servo do Conde de Almaviva ensina também as sutilezas da linguagem, para o representante da Lei e seus "cúmplices". Esta brincadeira, em português, como em francês, é deliciosa. Ao que nos parece, o diretor Herz se baseou muito na montagem recente da Commédie Française, e nos faz pensar em quanto os franceses se transformaram em burgueses acomodados, frente à viva interpretação carioca. Principalmente As Bodas... da Commédie. Nem é bom lembrar que os franceses tiveram o extravagante Luís XIV, que era um artista embalando todo o movimento teatral da França.   
O início da ação, em nossa As Bodas... é fascinante. Estamos sendo apresentados a uma mélange de Mozart com maxixe e samba. E não há um momento do espetáculo em que os acontecimentos não possam ser trazidos para o Brasil, inclusive a parceria "serva e dama", amizade mesmo, tão comum entre nós (desde a escravidão), e que as duas atrizes, Carol Garcia (Suzana, a serva, amada de Fígaro) e Solange Badim (a Condessa de Almaviva), fazem com perfeição.
Em resumo: a história das peripécias de Fígaro para salvar a amada das "primícias" exigidas (por debaixo do pano) pelo Conde, na primeira noite de amor do casal, é o enredo. A ação se passa em um dia, e todos sabem como termina. A acrescentar, e com destaque, a presença cênica e boa atuação de Querubino (Tiago Herz), o adolescente apaixonado por todas as mulheres. E também a da ótima atriz que é Claudia Ventura, em uma inesquecível mulher que transborda amor, Marcelina. Suas peripécias para conquistar o amor de Fígaro tornam-se, no final da peça, um fator romance de folhetim.  Sua atuação é perfeita. 
A registrar a participação de Ricardo Souzedo como o Dr. Bartolo, outro que carrega um segredo. Barbarina (Carolina Vilar), como a serva que capitulou aos encantos do Conde, e seu pai, o jardineiro (Adriano Saboya), importantes peças para ligar os acontecimentos. Como a arte é um caminhar contínuo, estas Bodas refazem o interessante caminho da comédia. Constata-se que Beaumarchais utilizava, a seu bel prazer, todos os tipos de comédia, e de personagens; desde o esperto servo da Commédia dell  Arte, passando por Molière e seu teatro de caráter, e chegando até o que viria a ser a comedia de intriga, com o seu contato direto com o público. Em uma palavra, As Bodas de Fígaro, no Laura Alvim, é um momento fascinante do melhor teatro.    
A ficha técnica conta também com a participação sempre brilhante de Marcia Rubin, na direção de movimento; a cenografia, um constante abrir e fechar de portas e janelas, muito bem resolvido por Nello Marrese com cadeiras de acrílico, e a movimentação de flores e jardins (iluminados por Aurélio de Simoni), dão dinamismo ao espetáculo; figurinos de Antonio Guedes (não sabemos se é um homônimo do querido diretor, ou o próprio, em suas variadas funções artísticas). Muito bom, o figurino, com achados preciosos: a crinolina de Barbarina, as meias debruadas de vermelho de Suzana... Detalhes picantes; Iluminação perfeita, como sempre, do mestre Aurelio de Simoni; preparação vocal, Pedro Lima; aderecista Anna Luiza Azevedo; visagismo, Junior Leal; fotos Paula Kossatz; assessoria de imprensa Paula Catunda e Fernanda Lacombe. Parabéns a Leandro Castilho pelo seu trabalho com as versões das músicas e letras de Mozart e Da Ponte (?).  A tradução, divertida e competente, é de Bárbara Heliodora.    

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

AMOR PERVERSO

Claudia Ohana (Victoria), Elena Rinaldi (Eva) e Regiane Alves (Amapola). Foto Pino Gomes.


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

É um espetáculo delicado e difícil, este "Amor Perverso" (Cariño Malo), de autoria da chilena Inês Stranger.  É um sonho de menina moça e um grito poético das mulheres de Garcia Lorca!  Em algum lugar do mundo deve haver uma qualificação adequada para este tipo de teatro, mas de uma coisa podemos ter certeza: é poesia pura, desde as palavras das mulheres, até as imagens criadas pela imaginação do diretor.
O paulista Luiz Valcazaras estreia no Rio de Janeiro com este "Amor Perverso". Vindo de uma carreira de sucesso em São Paulo, sede do polêmico grupo "Os Satyros", Valcazaras dirigiu textos de Guzik e Roveri, além de seu próprio texto R.E.M, para o grupo. Em seu surpreendente trajeto, Valcazaras trouxe Berta Zemel de volta ao palco em "Anjo Duro", sobre a psicanalista Nise da Silveira. O texto também é de autoria do diretor paulista, e deu à Zemel o Prêmio APCA de Melhor Atriz.
Há uma peculiaridade neste novo trabalho de Valcazaras, "Amor Perverso": é o de trabalhar imagens de grande impacto visual, e emocional. Este processo, segundo o diretor, vem se sedimentando desde 1994, quando criou o N.I.T.E. (Núcleo de Investigação Teatral), em um trabalho que busca transformar o artista em um "contador de imagens".
Valcazaras conseguiu, das três protagonistas de "Amor Perverso", um sentimento intenso,  entregue e delicado. Repito: não se trata de uma experiência fácil este de contar imagens.  

Vamos a ele: "Amor Perverso" é o desnudamento da alma de uma mulher em três momentos de sua vida: a paixão pelo homem (uma tocante Regiane Alves (Amapola); o "grito gitano" de Claudia Ohana (Victoria), querendo romper os laços que a limitam; Helena Rinaldi (Eva), e a vontade de acertar da mulher meiga e forte.
Os nomes das personagens são apenas mencionados, não se deve inferir que tenham um significado, um símbolo, embora o espetáculo seja extremamente simbólico. Eis o desafio: a personagem de Rinaldi (Eva) tenta, com grande doçura, o sucesso de sua recusa. Eva é o oposto de sua representação bíblica.
E podemos registrar, em "Amor Perverso", quatro grandes momentos teatrais:
Primeiro, o impacto da entrada em cena da mulher (as três atrizes), acompanha pelo mundo que lhe é oferecido: os pertences da casa, e o destino traçado, levados por uma carroça, onde a luz (também do diretor), dá a dimensão da cena.
Segundo movimento: o rompimento com seu papel de fêmea (o aborto de Regiane (Amapola) em cena impressionante); terceiro movimento: o grito-canto de Ohana (difícil escolher qual o momento mais significativo da peça); e quarto, a transformação da esperança em morte do amor, quando a caixa com as cartas não lidas e não respondidas se transforma no túmulo do amor. O amor, mesmo correspondido, é sempre perverso?  
Estas são experiências de poesia e mistério. Nada é facilitado para o espectador. E nada é supérfluo. Existe, ali, o envolvimento de um querer. Uma fúria delicada. E é surpreendente como o texto de Inês Stranger se aproxima dos poetas espanhóis. As imagens que o diretor derrama sobre a cena dão ao espetáculo uma dimensão já esquecida em nosso teatro. Há um belo encadeamento, o das imagens ajudando a contar a história.   
Temos também o solo de contrabaixo de Saulo Vignoli, acentuando o clima misterioso do texto. A direção musical, e trilha original é de Alexandre Elias; figurinos de Teca Fishinski; cenário Paulo Vilela; Visagismo: Pino Gomes; direção de movimento: Kika Freire. Somando-se, temos a tradução  de Renato de Mello, captando um momento tão nosso. É bom ver a alma feminina se manifestando sem pudores. E com beleza. Aconselha-se uma ida ao teatro para ver esse "Amor Perverso".