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segunda-feira, 23 de março de 2015

SALINAS, A ÚLTIMA VÉRTEBRA

Fotos Daniel Barbosa, de espetáculo "Salinas, a última vértebra", direção de Ana Teixeira e Stéphane Brodt - AMOK Teatro.

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
    
    Eis que o AMOK Teatro volta a se apresentar, no Rio de Janeiro. É sempre uma festa e uma demonstração de respeito ao público o que eles nos apresentam.  Desta vez, no Serviço Social do Comércio - SESC - de Copacabana. O espetáculo tem direção de Ana Teixeira e Stéphane Brodt. Eis que surge agora Salinas, a Última Vértebra, do texto de Laurent Gaudé. Antes de começarmos, é preciso apresentar Guadé. Trata-se de uma espécie rara, entre nossos autores, alguém que acredita que teatro abrange o mundo, e que podemos sair por aí, nós, o público e os atores, em mudança para um deserto encantado.

     Guadé acredita no poder da imprevisibilidade do teatro. E cita "Claudel", o autor que nos lançava ao mar como se fizéssemos parte daquele elemento. Assim sentimo-nos no deserto encantado de Guadé,  cheio de sons e gestos, que nos fazem viver intensamente aquela linguagem de espanto. E assim, o autor nos chama a atenção para o teatro de Claudel, e nós ficamos eletrizados, lembrando as aventuras de Doña Prouhèze (Le Soulier de Satin), e na mesma voltagem assistimos Salinas... a que foi retirada do deserto.  Mas o que fazemos agora são simplesmente as preliminares para prosseguir viagem.    
   
     E depois vem Stéphane Brodt, com o seu "savoir faire" e nunca saberemos quem é quem, neste espantoso casal formado pelo francês e pela talentosa brasileira Ana Teixeira. Dessa vez, a direção é de ambos.      O que se passa no palco não pode ser aprisionado como um estilo, uma escola: não é aristotélico, embora a purgação do público com a tragédia de "Salinas" torne-se evidente. É talvez um épico, contando a formação de um povo, seus mitos - a beleza de sua criação. E ficamos envolvidos nos acontecimentos de tal maneira que parece-nos ter vivido sempre o ritmo daqueles instrumentos, daqueles tambores soando com força, tocados por todo o elenco e, em particular, pelo Músico dos Djimbas, que cria os mais diversos momentos com a diversidade dos tímbales, dos instrumentos de corda, e outros instrumentos não menos encantados de Fábio Simões Soares. Entramos no deserto mágico, e não queremos mais sair dele.

     A música nos traz a linguagem fantástica do mito, uma "fuga" de  encontros e desencontros. O nascimento do ódio e a linguagem do amor. E nós nos envolvemos com aquelas almas divinizadas.  Há o sopro de Sissoko Djimba, o patriarca e sua alma, que tem o poder de mexer no tempo (interpretado por Sergio Ricardo Loureiro. Aliás, o elenco é parte do espanto que nos traz o espetáculo). Percebe-se uma pesquisa cuidadosa  dos diretores, e uma adesão total do elenco. São dez atores entregando-se ao poder que têm os espetáculos do AMOK Teatro.

     Enfatizamos a luta entre irmãos - entre os filhos que Salinas trouxe ao mundo - passageiros do ódio que se transforma em amor, interpretados por Kwane MKrumba (Reinaldo Junior) e Mumuyé Djimba (André Lemos). As lutas, o exercício dos corpos e as expressões são exatas.

     Salinas é interpretada por Ariane Hime, e Kano Djimba é Thiago Catarino (na foto). Os dois apresentam uma cena do encontro amoroso de sua juventude apaixonada, que é absolutamente original e emocionante. Seus gestos, danças e olhares são um encontro teatral sem precedentes. 
  
     Os figurinos de Ana e Stéphane dão beleza às cenas da juventude, e refletem, em seu tempo, a solidão da velhice. (Aqui abrimos um parêntesis para falar sobre a máscara facial da velhice desenhada nos atores, dando-lhes uma impressionante mudança através dos anos, em especial Mama Lita (Luciana Lopes), Khaya Djimba (Tatiana Tiburcio, a arrogante mãe carrasca, as duas quase irreconhecíves ), e Salinas (Ariane Hime). O cenário, também de concepção de Ana Teixeira e Stéphane Brodt, resolve-se com objetos de cena. A iluminação de Renato Machado faz parte da magia do espetáculo. Coreografia de Tatiana Tiburcio; confecção dos bonecos de Maria Adélia.      
  
     Há o oráculo, representado por Robson Freire e a mulheres jovens, como Alika, a bondosa (Sol Miranda); e Sowumba (a perversa), interpretada por Graciana Valladares. A Tradução é de Ana Teixeira. Não há como deixar de assistir a esta verdadeira saga de um povo, o nascedouro de um mito. PARABÉNS!      
   

sábado, 21 de março de 2015

BRILHO DA NOITE

Jorge Caetano em "Brilho da Noite", direção Marco André Nunes. (João Julio Mello). 
   
      IDA VICENZIA
     (da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
     (Especial)

       A única coisa que a música inglesa conseguiu foi o rictus selvagem do rock... e a poesia de Shakespeare! Clássicos, eles só tinham Haydn, que nem inglês era, mas austríaco. Mas de repente, a seleção feita por Jorge Caetano para seu show "Brilho da Noite", dirigido por Marco André Nunes, nos faz ver que as baladas mergulham em um mundo encantado, e podem ser até poéticas. Refiro-me à última música do show, "Jealous Guy", de John Lennon.      

     Não conhecemos "a cena musical que aconteceu nos bares Max Kansas City e CBGB", em Nova Iorque, mas concordamos com o ar blasé muito simpático da "Noite" de Jorge Caetano, e com o fato de ele fazer uma rápida "meditação relaxante" à indiana, para depois retomar o show. E também do acolhedor ar "pocket" do espetáculo! Mas só estas boas qualidades não fazem um show... Há personagens desnecessárias, que surgem sem acrescentar nada. Aí ficamos sem saber se é um show-teatro, ou somente um lugar para cantar músicas gostosas. Se for esta segunda opção, não há razão para intervalos com duvidosas apresentações de gestos e expressões corporais (destacamos o lustre brilhando na noite). Iluminação logradíssima de Renato Machado. Há uma suposta - e distraída - ligação entre cantor e bailarina (Marina Magalhães). Se for show-teatro está fora de tom. Dramaturgia de Pedro Koslovski, Roteiro Musical de Jorge Caetano, Marco André Nunes e Felipe Storino, que assina também a direção musical. Preparadora Vocal: Patricia Maia.  
   
      A voz de Jorge Caetano alcança com facilidade todos os tons e domina a cena. Aguardamos um show mais definido, como os das apresentações anteriores do cantor/ator: "Outside, um Musical Noir" (2011) foi o seu grande momento como interprete nesta difícil categoria. Depois vieram "A Porta da Frente" e "Edipop", 2014 (a este último não assisti), sempre na bem sucedida parceria com Marco André Nunes, Felipe Storino e Pedro Kosovski. Neste "Brilho da Noite", a destacar a atuação das "musicistas" Julie Wein, nos teclados; no violoncelo Paula Otero, e na percussão Isadora Medella (penso que o baixo é de Fifi Hudson) e na guitarra, Felipe Storino; bateria: Mauricio Chiari. Este "Brilho da Noite", com alguns ajustes, pode perfeitamente fazer excursões pelo Brasil. Há um "momento David Bowie" que parece mandar algum recado: "This is not America". E há Jocelyn Scofield ("Bang-Bang"). Músicas de Lou Reed; Celso Blues Boys ("De um Jeito Blues"), e muitos outros bons momentos. O melhor deles, é claro, fica com John Lennon.

          
         

sexta-feira, 6 de março de 2015

UM ESTRANHO NO NINHO

Elenco de "Um Estranho no Ninho", direção Bruce Gomlevsky.
Da esquerda para a direita: Charles Asevedo (Chefe Brodem), Helena Varvaki (Enfermeira 
Ratched), Vitor Thiré (Billy Bibbit), Tatsu Carvalho (R.P.McMurphy),  Julio Prata (Ruckley), Marcelo Morato (Cheswick),  Ricardo Ventura (Scalon), Felipe Martins (Dale Harding) 
e José Guilherme Guimarães (Martini).  (Foto Felipe Diniz).
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
     
     Rio de Janeiro, Teatro do Centro Cultural da Justiça Federal, mês de março de 2015, em cartaz, encenada pela primeira vez no Brasil, "Um Estranho no Ninho", adaptação para teatro feita por Dale Wasserman, do romance de Ken Kasey. É quase impossível fazer uma crítica a "Um Estranho no Ninho" sem cair na pergunta: por que este tema, se os manicômios já  resolveram todos os problemas dos esquizofrênicos, e Cia.? Porém, assistindo a este "Estranho" tão próximo a nós, vamos percebendo que todos os problemas estão aí e ainda  envolvem "aquele" problema: o financeiro. Trata-se de pessoas que possuem famílias que lhes proporciona(va)m, através de taxas e cooperações, a possível vida daqueles "métodos  científicos". Sabemos que, ainda em nossos dias, camuflados atrás das portas secretas dos hospitais, qualquer hospital, há o tratamento doente dado aos doentes... e a maneira de perpetuá-lo é justamente através da experiência dos "métodos científicos" e do dinheiro. Ninguém sabe nada de nada. 


     Pois bem: o pobre Mc Murphy, personagem inquieta que se julga muito esperto, resolve, para evitar a cadeia, passar o seu tempo de retenção em um asilo de loucos. Em outras palavras: resolve passar por louco. Acontece que ele é um lúcido que percebe, imediatamente, a fraude que sustenta a organização psiquiátrica. E aí começam os seus problemas. Claro que não vamos narrar a historia, mas nos perguntar por que Ken Kasey vai, aos poucos, se tornando tão... atual! A verdade é que nada mudou, desde os tempos não muito remotos de Kasey - dos beatniks e dos hippies - e Dale  Wasserman  até nossos dias "medievais". Há algo que não pode ser solucionado: o ser humano. Sim, aquele mesmo, o "ser" inviável. Deixemos as conclusões para quem vai assistir a peça. 

     São dezesseis atores dividindo, com talento, o palco. O "morceau de bravure" que é o espetáculo deve-se ao diretor Bruce Gomlevsky. Como não sabemos o tempo que foi necessário para erguer este trabalho, chegamos à conclusão de que os atores foram escolhidos com muito cuidado, pois a intervenção precisa, ajustada ao tempo do drama, só se consegue com atores muito especiais.

    Não há destaques, mas frases que se destacam, como as de Mc Murphy, no que se refere a cada um de seus companheiros - Mc é um "ser humano viável" - fazendo-os perceber, através da ação e da palavra, a força que cada um possui. Trata-se de um "forte". (Tatsu Carvalho (Mc Murphy), é um ator surpreendente). Também é surpreendente o inesperado discurso racional - e intelectual - de Dale Harding, o personagem interpretado por Felipe Martins. Harding nos brinda com seguras, e às vezes bem humoradas observações, principalmente quando se refere às semelhanças dos pacientes com os personagens de Kafka ou Mark Twain (não esquecendo que há um adolescente entre eles, interpretado por Vitor Thiré, uma revelação). Temos vontade de estrangular a enfermeira Miss Ratched (uma terrível Helena Varvaki!), e temer a propositada "contenção" do especialista em almas humanas Dr. Spivey (Isaac Bardavid). Charles Asevedo, como o índio - ou o que foi um dia um índio - o Chefe Bromden, a mais impressionante testemunha do que pode fazer um ser humano com seu semelhante, principalmente quando ele é o "diferente". Enfim, esta peça é uma construção de estímulos e respostas (pavlovianos?) aos que podem ser julgados "os mais fracos". Mas nem sempre eles são os perdedores.  

     Há ainda o desempenho das duas "amigas" de Mc Murphy, interpretando mulheres livres - e belas - como Candy Starr e Sandra, (Hylka Maria e Tatiana Muniz). E os loucos convincentes interpretados por Junior Prata, Marcelo Morato, Ricardo Ventura, e Zé Guilherme Guimarães, em trabalhos marcantes. A assistente da enfermagem, Srta. Flinn, interpretada por Lorena Sá Ribeiro, é justamente o coração tumultuado que se espera de uma assistente de enfermagem numa casa de loucos. Há ainda os auxiliares, Warren, Williams e Turkle (Ricardo Lopes, Rafael Oliveira e Henrique Gottardo), passiveis de corrupção. Esta peça conta com o cenário de Pati Faedo, onde tudo é muito bem resolvido, onde tudo é essencial. Na iluminação:  efeitos de luz muito acertados de Elisa Tandeta. A trilha original resgata músicas agitadas, e estrondosos efeitos de ambientação: um trabalho de Mauro Berman. Ainda os figurinos corretos (sem exageros), de Alessandra Padilha e Jerry Rodrigues. O visagismo é de Uirande Holanda.

Ficha técnica: uma peça de Dale Wasserman, baseada no romance de Ken Kesey, tradução de Ricardo Ventura; direção Bruce Gomlevsky; Assistente de Direção: Lorena Sá Ribeiro; Direção de Produção: Rafael Fleury e Tatsu Carvalho; Cenário (incrível!) de Pati Faedo; Iluminação: Elise Tandeta; Figurinos: Alessandra Padilha e Jerry Rodrigues; Fotos de Felipe Diniz. Assessoria de Imprensa Lu Nabuco.  Trata-se de um trabalho extremamente profissional.
VALE CONFERIR ESTA SELVAGEM EXPERIENCIA!