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sexta-feira, 22 de julho de 2016

"TERRA PAPAGALLI"

"Terra Papagalli", direção Marcelo Valle. Na foto André Rosa (Cosme Fernandes)
e Sarah Lessa (Terebê, a filha do cacique)
(Foto Luca Ayres)

 Cena de "Terra Papagalli". Na foto, André Rosa e Felipe Frazão.
(Fotos Luca Ayres) 
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)


TERRA   PAPAGALLI,  de José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta, atualmente em cartaz no teatro Sesc Copa, é uma fantasia ficcional criada em torno dos degredados portugueses, os condenados que vieram aportar nas praias brasileiras junto com Cabral e suas caravelas. Sobre essas personagens verídicas de vida tão nebulosa que por aqui foram deixadas nos idos de 1500, pouco ou quase nada se sabe. Marcelo Valle é o diretor desse episódio da vida nacional, inspirado no livro de Torero e Pimenta. Trata-se de uma comédia que ficará na historia.  

     Meu Deus, é nós, o que poderíamos dizer dessa Terra dos Papagaios que é esse nosso Brasil? No mínimo, o espetáculo que é levado em cena no Sesc Copa é um marco tão importante como o foi, em seu tempo, a estréia de "O Rei da Vela"! Não exagero. Falta-lhe apenas o burilar dos anos. Porém é um marco. Inova, em todos os sentidos, a cena teatral, e se "atira", voluptuosamente, na imaginação do que "deve ter sido", a chegada desse bando de degredados portugueses na Terra de Santa Cruz! São 11 atores, enlouquecidos - e no auge de sua juventude - a nos transmitir a loucura que foi o desembarque dos degredados  chegados a essa terra, os degredados "de Cabral". O horror, o pânico da chegada pega o público desprevenido, e leva ao inesperado! Somando-se a tudo isso, a precisão da entrada dos índios: e fica assegurada a força do espetáculo.

     A cena, em "Terra Papagalli", revela o desvario do encontro "das novas gentes" os índios, com os homens "civilizados", e desnuda o que esses "últimos" são capazes,  para tornar seu o que não lhes pertence! Até aí, sabemos os detalhes. Mas a precisão dessa chegada desesperada cria leis, inventa estatutos, elabora autos, com uma desfaçatez da qual conhecemos os frutos.

     O interessante, ao assistirmos a essa visão "da coisa", interpretada por José Roberto Torero e Marcos Pimenta, é que nunca imaginamos que essa historia poderia ser contada - e da maneira que foi - em um espetáculo teatral. Já assistimos a narrativas dessa famosa "Viagem", porém contada de maneira estética e "histórica", dando a impressão de que esse horror foi realmente um episodio da maior distinção. Nunca, porém, essa historia nos foi contada com tal ferocidade - (e esse deve ser o relato verdadeiro) - ao menos a historia da chegada dos degredados.

     Pois Marcelo Valle acreditou nisso, e foi muito bem recompensado pela sua iniciativa (e da equipe, pois, como sabemos, teatro é união de várias iniciativas), mas a direção de Valle mostra a mão de alguém que sabe aonde quer chegar - estimulado, com certeza, pelos outros dois "insanos" (em imaginação), que são Torero e Pimenta.

    Tal iniciativa resultou na perfeita direção de Marcelo; na preparação vocal e canto (e da fala indígena), de Fabianna Mello e Souza e Davi Guilhermme (workshop vocal). Juntou-se a todo esse acerto a iluminação de Mauricio Fuziyama e do mestre Renato Machado, e ainda os figurinos, adereços e visagismo, tão particulares e acertados, de Othon Spenner. Estes artistas (Spenner nos figurinos) são exemplos de imaginação a serviço da cena. Tudo se complementa: os  personagens enlouquecidos, metade pássaro, metade seres da floresta e gente perdida entre "ceroulas estilizadas", camisas e tangas... dão o tom do espetáculo. Tudo muito divertido.

     No cenário de Julia Deccache e Carla Ferraz tudo pode acontecer, até se vender o solo da terra recém descoberta "a um Real!". Os "vendilhões da pátria" daquele momento apregoam e oferecem aos espanhóis, e a quem quer que apareça por lá, essa bagatela do nosso solo! Tudo muito atual. Aos "aborígenes" a oferta foi outra, de apitos, berloques e até armas, pois a loucura desencadeada a tudo permite. E a gente "muito viva" que se apresenta na ocasião da descoberta, principalmente "o Bacharel da Cananéia", (personagem real), que conta a historia através de sua ótica. O esperto Cosme Fernandes, o "Bacharel", é o protagonista que tudo consegue, até casar com a filha do cacique e conquistar terras. É ele o nosso Serra, "o desenfreado", que oferece aos portugueses, espanhóis, franceses, "e quem mais vier", as novas terras, por um tostão de mel coado.

     Os atores, em ordem alfabética (e sinto não poder falar separadamente de cada um deles), são: André Rosa, André Vieira, Daniel Belmonte, Felipe Frazão, João Marcelo Iglesias, Jojo Rodrigues, Rômulo Chindelar, Sarah Lessa, Thiago Chagas. Tomaz Nogueira e Victor Albuquerque. Destaco apenas as ótimas interpretações de Felipe Frazão, Sarah Lessa, André Rosa e Jojo Rodrigues, a filha de Cosme Fernandes; Ibiracê. Sarah e seu personagem Terebê, filha do cacique, por estarem nas fotos a que tive acesso... (assim é que se fazem as reputações, para o bem ou para o mal - pura sorte). André Rosa, como um dos Cosme Fernandes e Felipe Frazão, em particular, pelo destaque de sua interpretação. Ele é o Cosme mais novo e também interpreta outros personagens. O Cosme "do meio" é Victor Albuquerque (aos poucos, a produção vai "liberando" o nome dos atores e personagens... nem tudo está pedido! Acontece que eles estavam sem o programa da peça, na estreia). 

      Mas o elenco é, todo ele, vigorosamente talentoso.

.     A adaptação para teatro do texto ficou a cargo de André Vieira (um dos atores), Daniel Belmonte e do diretor Marcelo Valle. A codireção é de Danilo Moraes: os dois realizaram um trabalho primoroso. A direção de movimento é de Dani Cavanelllas.   
  
     Muito atual, essa releitura dos primeiros 30 anos da terra descoberta. Pensando bem, "Terra Papagalli" é uma releitura do atual "desgoverno" brasileiro.      Aconselhamos ao público amante de teatro (e quem quiser começar a amá-lo) a não perder este espetáculo histórico e ... EXCELENTE!
     

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