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domingo, 11 de dezembro de 2016

"ANTÍGONA"

Amir Haddad, diretor, e Andréa Beltrão,  Antígona,  recebendo aplausos. (Foto Barbara Lopes) 
Antígona, perante a morte de Polinices. (obra de origem desconhecida).


DA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
"ANTÍGONA"

     Amir Haddad, "dramaturgista" - com Andrea Beltrão - e diretor da peça de Sófocles, deu-nos, em sua escrita inicial, a antevisão do que seria o seu trabalho como diretor: "Reescrever Sófocles. Reescrever Antígona". E é sobre essa reescrita que vamos falar.

     Pois bem. Em pouco mais de uma hora, coisas surpreendentes acontecem. Temos em cena não só Andrea Beltrão e seu monólogo, mas quatro artistas vivos e atuantes: Sófocles, Amir Haddad, Andrea Beltrão... e Marina Salomon! Sim, sem Marina, essa apoteose trágica jamais teria acontecido! Andrea Beltrão torna-se a transmissora (genial) de um gestual que somente Marina, entre as coreógrafas brasileiras, seria capaz de criar, pois Marina tem uma ligação natural com os deuses gregos! As guerras, o amor, o discurso rancoroso, tudo está contido no gestual da coreógrafa, incorporado pela a atriz.

     Feita essa ressalva, vamos aos acontecimentos. Em pouco mais de uma hora, Andrea Beltrão nos conta a historia de uma Grecia mitológica, grandiosa e agressiva! E assim vemos todas as tragédias, desde Édipo, até a filha de Édipo! E, por um momento iluminador - e estarrecedor! - compreendemos o que foi aquele povo antigo, dominado por seus oráculos, crenças e fetiches; um povo primitivo, com todas as limitações que as crenças podem trazer - o povo genial que, e ao mesmo tempo, nos trouxe toda a cultura da humanidade. "Depois dos gregos - como diz um certo professor - "tudo é pé de página...".

     E este povo soube poetizar as suas crenças... Mas Andrea foi além, ela também nos levou ao lado didático - necessário - do espetáculo, devido à platéia jovem que a assistia. Lembramos que foi Péricles, na Grecia do Vº Século, quem tirou os gregos do limbo... com seus festivais atenienses, seus concursos e dramaturgos que mudaram a cena e a Historia do Teatro!

     Feita essa ressalva, passemos aos acontecimentos: a impetuosidade de Andrea Beltrão, em cena, nos traz muito mais do que uma série de cadáveres, de mortes e assassinatos, é a tragédia antiga que ela nos conta, a tragédia grega desde o nascimento de Édipo, até a morte de Hemon e Creonte!  Sua atuação é algo memorável.

     O cenário é somente uma cadeira e, no fundo da cena, uma árvore "genealógica" com o nome dos responsáveis pelos acontecimentos narrados. Os objetos de cena, se os há (como a écharpe, os sapatos de salto alto), surgem não sabemos de onde, como um passe de mágica! Com a écharpe Andréa faz acontecer cenas de impacto. E, no pano de fundo, os nomes são colados e deslocados, conforme as necessidades da narrativa. A iluminação, criada por Aurelio de Simoni, dá um acento imprescindível para o bom andamento do espetáculo, assim como a trilha sonora (impactante), de Alessandro Persan. O figurino, simples, de Antonio Medeiros e Guilhereme Kato, traz um símbolo rosa (não identificado) sobre a roupa negra. Talvez algum símbolo sobre a mulher. Naqueles tempos, como agora, sua atuação entre os homens não era vista com bons olhos. O texto, talvez a reescrita de Andréa? - registra tal preconceito.

     Em linhas gerais, o espetáculo, que poderia ser confuso para alguns (os menos familiarizados com o teatro) torna-se um jogo interessante para os que têm a tragedia grega como alimento. Para os mais afoitos, tantos cadáveres, tantas guerras, pode ter um certo sabor "isabelino", o que não é verdade, pois os venenos não entram em cena...  
    
      Antigona é vista, na tradição ocidental, como a irmã ideal, amantíssima. Na versão de Andréa ela é simplesmente colhida pelos acontecimentos, o que deve ser a sua verdade extrema. Percebemos isso nos diálogos com "a doce Ismênia", o oposto de sua  apaixonada irmã. Tal situação existe, em nossos dias, e é uma verdade, entre irmãs. Na concepção do espetáculo, entretanto, Andréa se transforma em todos os personagens invocados pela tragedia. E é impressionante a interpretação da atriz, a sua mudança de gestos e voz, a cada solicitação.

     Andréa Beltrão é Creonte, Ismênia, Hemon, Édipo, o cego Tirésias... os guerreiros de Tebas, os reis enfurecidos, e os narradores! A interpretação dessa atriz, em seu primeiro solo, foge ao monólogo tradicional. É bem mais do que isso. Amir Haddad alerta: "Vamos da peça ao mito. Do mito à peça. Num eterno retorno". E é justamente este "eterno retorno" que dá alento à atriz para cumprir a sua missão de intérprete. Andréa Beltrão dá vida a uma tragedia que teve seu desenlace a partir da desgraça e morte do guerreiro Polinices. Aconselha-se aos amantes de teatro assistir o caminho dos herdeiros de Édipo, em ótima realização, no Teatro Poeirinha. Este caminho foi aberto por Gasparian e seu Rei Lear. É BOM VER BOM TEATRO!  

Antígona em seus últimos momentos. (Fotos Barbara Lopes)

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