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sábado, 22 de julho de 2017

"ESTUDO SOBRE A MALDADE"

O  ator Bruce de Araujo em "ESTUDO SOBRE A MALDADE" - uma narrativa de "Otelo", de Shakespeare, direção de Miwa Yanagizawa. (Foto Diogo Monteiro).


"ESTUDO SOBRE A MALDADE"
I D A  V I C E N Z I A
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     Outro Shakespeare! Dessa vez é sua peça "Otelo", incorporando o "Monstro de Olhos Verdes" do ciúme, que ataca os desprevenidos da sorte. Antes de começar o comentário crítico quero dizer que tive a felicidade de assistir a um dos mais brilhantes Contadores de Historias incorporado no ator Bruce de Araujo, a quem tive o prazer de conhecer - com direção de Miwa Yanagizawa, no Teatro Sergio Porto, Rio de Janeiro. O espetáculo, intitulado "ESTUDO SOBRE A MALDADE", ficará em cartaz ainda este fim de semana, até o dia 26 (ao que parece) adiado que foi, de sábado a segunda, sempre às 19 horas. Ao que parece, trata-se de uma residência artística. Para quem aprecia bom teatro, e o domínio total da cena, aconselha-se conhecer Bruce.

     A criação, direção e texto é de Miwa e Bruce O diretor assistente é Pedro Yudi e a Direção de Movimento (algo inusitado), de Laura Samy. A Trilha Sonora é de Bruce. Com exceção de Miwa, confessamos que temos pouco conhecimento de elenco e ficha técnica, mas compreendemos que - e volto à palavra - diante do 'inusitado' do acontecimento, Stanislaw Ponte Preta deve estar bem satisfeito com o espaço que lhe foi cedido.   
       
     Pois bem. O espetáculo começa praticamente na penumbra, e o ator do monólogo (Bruce de Araujo), já com iluminação direta sobre ele, aproxima-se do público com uma simples cadeira e senta-se nela, transmitindo-nos toda a simpatia e carisma que sua personalidade transmite, ao narrar acontecimentos que vão resultar na morte de Desdêmona. Nada de muito espetacular, apenas a inveja transitando em todos os gestos e emoções de Iago, que fora preterido em um posto de comando, ao qual almejava. Apesar de tudo, nada mais atual do que as artimanhas "de Palacio", realizadas por Iago para atingir os seus fins.    

      Deixo aqui o registro de meu espanto de não ter lido comentário algum a respeito, já que "a ciência crítica" neutralizou-se em inúmeros "blogs" que vão materializando o seu parecer perdido no espaço e na pressa das noticias entrecortadas. Lastimo. E vejo, com espanto, que as notícias de jornal ainda monopolizam as críticas teatrais. Devemos refletir sobre o assunto. As redes sociais e sua escrita "democrática" é realmente um novo espaço? Pensamos que a crítica deve continuar a ser "pertinente, arguta e bem escrita", captando o valor real do material que ela se encarrega de analisar? Ou o que importa são os prêmios em festivais ou os comentarios em folhas de jornal? A boa interpretação é quem decide quem é quem.

     Temos, no caso de Bruce de Araujo uma revelação óbvia de um talento raro. Ele conta Otelo e suas peripécias, a época em que se desenvolveu, ou motivos - sem recursos de espécie alguma, a não ser o de seu talento (e da supervisão do talento de Miwa, claro). Já tivemos "Ricardo III" contado por Gustavo Gasparani, ou a difícil "Antígona", narrada por Andrea Beltrão. Os atores citados utilizaram recursos outros, além da cadeira de Bruce de Araujo. Outros recursos além de um olhar...e um gesto... Ah, não devemos esquecer o outro Bruce, o Gowleviski, que também impressionou com o seu aedo, contando "A Iliada", de Homero.

    Não há, na platéia de Bruce de Araujo, que não tenha compreendido as intenções de Iago, o descontrole de Otelo e a inocência de Desdèmona (além de outros papéis secundários interpretados por esse ator que possui o domínio completo de sua arte). Bruce de Araujo narra - em o que podemos chamar de uma segunda parte do espetáculo - através de seu corpo, as venturas e desventuras do mouro shakespereano! Quem perdeu deve procurar este exercício, pois ele  não pode deixar os palcos do Rio de Janeiro. Procurem! Prestem atenção onde "ESTUDO SOBRE A MALDADE" se esconde...


   (Devemos pensar nos tesouros que se ocultam nas redes sociais, e as críticas de teatro que fazem seus críticos, em escolha pessoal, em contraposição à arte rala que às vezes - quase sempre - trafica nas páginas dos jornais). Há que pensar sobre isso. Os tempos agora são outros? Há muito material sublime se perdendo por aí, há muita peça de teatro excelente que não é analisada... Há que pensar sobre isso. E NÃO PERCAM "ESTUDO SOBRE A MALDADE"!  É  BOM  VER  BOM  TEATRO!

segunda-feira, 3 de julho de 2017

HAMLET

Encontro e Apresentação da família e amigos do Hamlet. Direção Paulo de Moraes. Música de Rico Viana. Canções de Horácio -  Luiz Felipe Leprevost.   (Foto de João Gabriel Monteiro)
(No CCBB - Teatro I  - até dia 6 de agosto de 2017)

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

HAMLET

     "Se fossemos chicotear todos os idiotas do mundo, ninguém escaparia ao chicote" - diz Hamlet. E Shakespeare acrescenta: "Não se deve ampliar a voz dos idiotas". Acho que se ele vivesse agora teria um colapso ao ver o poder que tem a internet, de ampliar a voz dos idiotas... Pois eu sou mulher, talvez idiota, estou cozinhando e escrevendo sobre Hamlet! E a coisa que mais me empolga, no momento, é este Hamlet menino que não tem medo de se expor, de ser homem e mulher, e falar com sua própria voz!

     Nem quero me lembrar que Sarah Bernardt já interpretou Hamlet no cinema mudo! Não quero lembrar da "diva" gesticulando para encanto da burguesia francesa. Que tempero teria Hamlet, para eles? (Desculpem o "tempero", estou cozinhando...)

     E que gosto incrível quando Patricia Selonk, de óculos escuros, sentada em algo que certamente não é um trono, vestindo trajes contemporâneos, olha a cena que começa a se descortinar perante seus olhos de Hamlet, do amor entre sua mãe Gertrudes e seu tio Claudius. Ela (ele), que acabara de ouvir a voz do fantasma de seu pai, e, de repente Hamlet começa a falar! E sua intervenção nos amores dos dois traidores; a lembrança da voz de seu pai, o Rei, desperta a ironia do herói, com aquele fio de voz característico de Selonk, que a gente pensa que ninguém vai ouvir, mas que atinge o mais fundo do nosso ser.

     Como se não bastasse o olhar de Hamlet, prescrutador, de óculos escuros!, observando o mundo louco em que vive - e ele pode tudo ver e nos deixar ver, apesar de seus óculos escuros  - modernos, contemporâneos.

     A peça mostra um Hamlet alegre quando encontra a caveira de Yorik, e, ao recordar as travessuras daquele bobo da corte, é o menino que surge. E temos todas aquelas mudanças de cenas e de aparições de fantasmas em gigantescas projeções e voz toráxica. Estamos, realmente, presenciando um Hamlet louco, menino, e sua historia é contada (e cantada por Ofelia - Lisa Eiras) em loucura de voz de criar amores. O elenco cumpre seu papel sem dificuldade ou reverência. Estamos assistindo a um Shakespeare com personalidade própria. O que quero dizer com isso?

     Não há complicações de época, há a Rainha Gertrudes (Isabel Pacheco) bebendo seu vinho envenenado sem maiores dramas; há o tio Claudius, corrupto moderno, que tenta até o final trazer Hamlet para o seu lado, cooptá-lo. Polonius, em seu papel descoloriido; Ofelia enlouquecendo sutilmente, do outro lado da "loucura" de Hamlet. Assim vale a pena assistir novamente Hamlet. Aliás, nosso também grande diretor, Antonio Abujamra, costumava dizer que Hamlet era a dramaturgia mais completa, o início e o fim do drama, contendo nele todas as esperanças e conflitos. Abujamra lia Hamlet sempre que ia dirigir uma nova peça.

     Laertes e Horacio ... perfeitos. A cena do duelo se resolve como o grande engano que é. E o encontro do jogo de espadas entre Laertes (Jopa Moraes) e Hamlet (Patricia Selonk) seria descomplicado, crédulo e amoroso, um jogo de esgrima entre dois amigos, não fora a interferência do corrupto Claudius (Ricardo Martins).

     Enquanto o tio Claudius entra com o veneno, Horacio (Luiz Felipe Leprevost) é o amigo em quem se pode confiar. Temos também, nesta peça que nada esquece, o coveiro que faz as delicias da representação do povo em Shakespeare (ator Marcos Martins), e os dois amigos (que se tornam traidores), Rosencrantz e Guildenstern. Atores interpretam papéis dobrados, como Luiz Felipe Leprevost (Rosencrantz), e Jopa Moraes (Guildenstern) este último também o saltimbanco que se apresenta no castelo de Elsinor. Marcos Martins é Polonio e o coveiro. Como sempre, os atores desta Companhia de Paulo de Moraes são excelentes, e é um prazer assistir aos seus espetáculos.   

       Em conseqüência, o elenco de Hamlet é formado por sete atores (e a projeção em vídeo do fantasma, interpretado na possante visão e voz de Adriano Garib). Eles contam a historia do "reino podre da Dinamarca" criada por Shakespeare, mas o espetáculo consegue, sem fazer alarde (discretamente), algumas aferições que nos lembram certo país. Mas tudo é feito com muita discrição e charme.  

     Quanto ao cenário, o Castelo é a prisão e o "Campo Santo" é a liberdade! Carla Berri e Paulo de Moraes são os criadores deste ambiente, os cenógrafos. Saudemos o Hamlet menino interpretado por Patricia Selonk. Nunca pensei (pensamos) que fôssemos amar Hamlet tanto assim, novamente.  

     A Direção de Paulo de Moraes, da Armazém Companhia de Teatro é da maior criatividade. E a Versão Dramaturgica, corretíssima, é de Mauricio Arruda Mendonça. Com a Iluminação de Maneco Quinderé, as modificações da emoção ficam marcantes, como o vermelho apresentando e englobando a tragédia final. A Trilha Sonora Original é de Ricco Viana, e é muito boa. Figurinos atuais, com leves toques do passado, de Carol Lobato e João Marcelino. Preparação Corporal de Patricia Selonk e Coreografia de Toni Rodrigues. O Preparador de Esgrima é Rodrigo Fontes. Video de João Gabriel Monteiro. Canções de Horacio: Luiz Felipe Leprevost. Colaboração na Dramaturgia: Jopa Moraes e Paulo de Moraes. Assessoria de Imprensa Ney Motta. Patrocínio: Petrobras e Banco do Brasil. É BOM VER BOM TEATRO!