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domingo, 12 de novembro de 2017

"A FESTA DE ANIVERSARIO"

Cena de "A Festa de Aniversario", de Harold Pinter, direção Gustavo Paso. Em cena Guilherme Melca (Max) e Rogerio Freitas (Golberg), Alexandre Galindo (Stanley). (Foto Gustavo Paso)



IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

A FESTA DE ANIVERSARIO
                      Em 1967, quando pela primeira vez assisti Harold Pinter em "A Volta 
                  ao Lar", com Fernanda Montenegro, fiquei com a impressão (óbvia) de que aquela 
                 mulher que abandonou o marido não o amava, e por isso não quis voltar com ele 
                 para o seu casamento, preferindo a separação. Na minha rígida cabeça de menina 
                 criada em colégio de freiras não havia lugar para o que aconteceu depois. 
                E Harold Pinter continuou sendo para mim um autor inacessível. Assisti-lo era (e é) 
                para mim, como se eu estivesse vendo uma foto em negativo, 
                uma imagem sem contorno (muito alterada) do que poderia ser a realidade.

     Assisti a outro "A Volta ao Lar" antes de "A Festa de Aniversario". Foi uma peça  
dirigida por  Bruce Gomlevisky, que fazia o irmão do marido?! Achei o personagem 
masculino de Bruce muito violento e, para surpresa minha, acabei aceitando a proposta 
do autor e "lendo", à minha maneira, o que estava acontecendo em cena, neste 
Hommecoming. Era algo muito bem guardado no interior de alguns personagens, 
e é assim que sempre recebo os textos de Pinter.

     O caso atual, de "A Festa de Aniversario" tem o acréscimo, agora percebido, 
de ser uma crítica aos humanos. Mas os personagens de Pinter são assim mesmo? 
Quem olha as fotos daquele verdadeiro "lord inglês" - o autor -  não diz que ele trás 
escondido dentro de si tanto horror... e conclui que a inteligência e o talento são um mistério!

     Mas passemos a "A Festa de Aniversario". São seis atores em cena, e um pianista 
que dá o clima da peça com o seu piano nervoso, de compasso dominador e presença física 
quase invisível !!! Aparece só uma vez, e nas alturas do cenário. Toca um piano magistral, 
por sinal, assim como o seu Beethoven! É André Poyart, tocando ao vivo e  dando 
um clima irreal - e terrível! - aos acontecimentos! Registro ainda, e principalmente, 
o desenvolvimento das cenas de tortura incluídas no texto ("Festa" foi escrita em 1957, 
Pinter estava ligado!) e a semelhança é surpreendente com os relatos de Sergio 
Sant'Anna, dez anos depois, em "Confissões de Ralfo": as frases de seus torturadores 
se assemelham, lembrando acontecimentos da vida cotidiana (no caso do livro de 
Sant'Anna, a tortura começa com uma pergunta: "Quem foi que descobriu o Brasil?"), 
no de Pinter, com perguntas sobre a vida particular de outro pianista, esse acossado, 
escondido em uma pensão (a perseguição à arte?), interpretado por Alexandre Galindo.
 O ator Rogerio Freitas, o "visitante" de Pinter, um ser encantador e sociável, subitamente 
se transformando em um horripilante torturador! Rogerio Freitas pode ser o mais perfeito 
comediante, como em "A Revista do Ano - O Olimpo Carioca", quando interpreta Hefaísto, 
o deus do fogo, e joga para a plateia um divertido Oscarito, como nas comédias da Atlântida! 
Pois em "A Festa de Aniversario" ele, do amável visitante do início da peça, se converte num 
personagem de olhar terrível e atitudes não menos. A partir dessa mudança, não há mais 
sociabilidade naquele visitante - há "o horror"! É tudo tão seguro, tão determinado, que não soa falso. 
São os mistérios do talento...  

     Mas por que a "Festa" se transforma em horror? Procuramos dar uma olhada em Pinter: "Nascido em um subúrbio pobre de Londres, filho de pais judeus do Leste Europeu! Ativista político!" (Está explicado? O "lord" criou uma estirpe! Criou-se, sobre o seu estilo o nome de "pinteresco", no qual personagens normais são colocados repentinamente frente ao inesperado e não apresentam reação" (...). Acho que está explicado o seu estilo, embora todos digam que Pinter é um dos representantes do "teatro do absurdo". Não é um pouco facilitado, isso? Desculpe, Paso, e você sabe disso melhor do que eu... Mas para mim,  para mim, todos os teatros podem ser do absurdo! (Mas deixemos estas questões...). Premiadíssimo, Prêmio Nobel, etc, eis Harold Pinter.

     Pois este autor - com a colaboração, não podemos esquecer! - de outro mágico teatral que é Gustavo Paso, o diretor (sempre que o assisto saio mobilizada), - dá o clima da peça, ao qual ninguém escapa! Há ótimos atores complementando a cena. E outro mistério: quem é Alexandre Galindo, que resolveu produzir a peça? Parece-nos que se lança como ator, mas a naturalidade com que ele atua é surpreendente, jogando-o entre os veteranos! Há também uma deliciosa (e louca!) Andrea Dantas, em seu papel de dona de casa alienada. Comedia pura! Ah, essa família Dantas! E a menina Raíza Puget, fazendo a adolescente desafiadora, inconsciente e vaidosa! Que cenas ela nos proporciona! Marcos Ácher é o mais pinteresco (na acepção do termo, o homem que não participa, se exime, se acovarda. Ele representa aquela classe de homem do povo que Pinter detesta: o "morno"). E o faz muito bem. E há Guilherme Melca, o "representante" dos subúrbios, mundo muito conhecidos de Pinter... Querem festa melhor?  

     A ficha técnica sempre me deixa com vontade de estudar cada uma das referências: A Tradução é feita por Alexandre Tenório. Eu jamais seria tradutora, enlouqueceria! E a Iluminação? Que entendo eu de Iluminação? Só a sinto, me emociono. Ela dá o clima, me transporta, assim como a música - que já entendo melhor... Pois a Iluminação é feita por Bernardo Lorga. O cenário é conduzido por Gustavo Paso, e eu entendo aquelas armadilhas, as correntes, os buracos, os sobressaltos... Como não estabelecer o pânico? O cenário faz um jogo infernal com a luz... A Trilha Sonora, como já dissemos, é do excelente músico André Poyart. Assistente de Direção: Marcos Árcher. A "Administração de Temporada" é do nosso apaixonado por teatro Antonio Barboza, que agora continua o seu trabalho de ator na TV Globo! Muitas felicidades para você, Antonio! Direção de Produção: Luciana Fávero, que também se encarrega dos figurinos e adereços. Parece-me que Gustavo Paso tem uma equipe fiel, que o acompanha em seus trabalhos fora de seu grupo, como este "A Festa de Aniversario". Estes dois últimos artistas/técnicos citados fazem parte do seu grupo! Há certamente outros, não citados, como o Cenotécnico Eduardo Andrade. Enganei-me? VIDA LONGA, E PRAZEROSA, A ESTES ARTISTAS! É BOM VER BOM TEATRO! DIGAM-ME UMA COISA: CRÍTICA DE TEATRO É TAMBÉM ARTE? PELO MENOS ELA FIXA UM INSTANTE DESTA EVANESCENTE ARTE. E COM ENVOLVIMENTO EMOCIONAL!
          




  







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