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sábado, 22 de dezembro de 2012

"ROCK IN RIO - O MUSICAL"

Entrada da "Cidade da Música", com com a sua rampa e os seus pilotis. Um "marco de paisagem", segundo seu criador, o arquiteto Christian de Potzamparc.
 (Foto Divulgação) 

CRITICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)


Próximo ao Carrefour e ao Barra Shopping, passando pelo mergulhão da Av. Ayrton Senna, entre (ainda) canteiros de obra – eis que chegamos à "Cidade das Artes" (Avenida das Américas, 5300), projeto de Christian de Potzamparc, Prêmio Pritzker de Arquitetura, Berlim, 1994 (considerado o “Nobel” da arquitetura). Christian trabalha com dois tipos de fundamentos básicos, em teoria por ele criada: o “marco de paisagem” e a “clareira”. Podemos constatar que no prédio (concluído) da Cidade das Artes há uma característica de “marco de paisagem” – pela grandiosidade da construção, localizada em uma bifurcação de estradas. Porém, em se tratando da Barra da Tijuca, pode ser também uma “clareira”, ou seja, um espaço ocupado - com seus limites definidos – em um matagal de edifícios! É sobre esse espaço que vamos falar. Calma! Falaremos, a seguir, de "Rock in Rio - o musical". 
     Ao entrar no terreno de Potzamparc somos subjugados pelas rampas de acesso ao "monumento". Há duas rampas que o circundam e, pelo que nos foi possível constatar, elas se ligam a um plateau, construído em dois pavimentos. A vista total que temos da obra, ainda na estrada, é a de um “marco de paisagem”, pois sua estrutura de concreto se destaca na paisagem. Ela, a estrutura, é sustentada por um vão, no qual se equilibram pilotis, dando leveza ao conjunto. Há também algo semelhante a asas, no "movimento" do plateau, acima da construção. É um movimento sutil, e podemos observá-lo olhando a Cidade das Artes ao longe.
     Porém, ao entrar na “Cidade” é que nos deparamos com, talvez, a marca registrada do arquiteto: o espaço de luz e sombra. No teto, a um canto do primeiro pavimento, vemos clarabóias minúsculas filtrando a luz (a visita foi feita durante o dia, desconheço o efeito noturno), causando grande efeito. As formas arredondadas das paredes, com alguns contornos, humanizam o concreto. Podemos dizer que a sensação de vôo cobre também o interior do prédio, causando vertigem com suas transparências fixadas no solo. Para quem começou sua carreira inspirado na “ Torre de Babel”(!) (primeiro trabalho de Potzamparc), a “Cidade das Artes” é uma representante fiel de sua obra.


Ensaio do elenco de "Rock in Rio - o musical".
(Foto de Cristiane Cardoso)
      Estivemos na "Cidade das Artes" para assistir ao lançamento, para a Imprensa, de trechos do espetáculo “Rock in Rio – o musical”, primeiro a ocupar a “grande sala” (não visitamos a parte superior do prédio, onde provavelmente está instalada a “grande sala”). Ela, a sala grande, se amplia em 1.229 lugares e, pela grandiosidade dos números do musical (são mais de 20 cenários, 125 peças de figurinos, 25 atores cantando cerca de 50 músicas, banda com 9 músicos em cena e alternância entre repertório estrangeiro e nacional) nos faz prever o “mega-espetáculo”. Assistimos, neste dia (18/12), a apresentação de três cenas, em um espaço próprio para esse tipo de evento, ou seja, um espaço para ensaios. Inicia-se o mesmo – a ordem foi escolhida pelo diretor, João Fonseca -  com “Pro dia nascer feliz”, de Cazuza. O espetáculo alterna MPB e repertório internacional (citamos, sem continuidade): “Ins’t Lovely” com “Além do Horizonte”, ou Highway to Hell com “Você não soube me Amar” (não nessa ordem). Há uma história a ser narrada, a dos jovens Sofia (Yasmin Gomlevsky) e Alef (Hugo Bonemer) e seus desentendimentos (adolescentes que são), com os pais (Lucinha Lins e Guilherme Leme). Os dois jovens, através das musicas e do texto, vão contando seu relacionamento com os pais, com amigos e com o amor, e a recuperação de traumas infantis. O desempenho do elenco, principalmente os atores/cantores jovens, é espetacular, podendo-se constatar, mais uma vez, que atingiram a excelência na interpretação de musicais – estrangeiros ou não.
     No currículo da equipe principal temos uma “mélange” de estilos e experiências. O diretor João Fonseca (premiado) paulista vindo de Antunes Filho e passando por Abujamra, já nos deu várias oportunidades para constatar seu amor ao teatro e sua maneira muito especial de atuar e dirigir atores. Neste “Rock in Rio – o musical”, dramaturgia de Rodrigo Nogueira, um texto que nos parece bastante visceral, impressão essa coroada pela interpretação de Lucinha Lins, como a mãe em conflito de amor com o seu adolescente Alef. Guilherme Leme, o também conhecido ator e diretor é, neste Rock in Rio, um produtor de musicais, pai de Sofia (voz magnífica a de Yasmin Gomlevsky), que detesta música. Há também um conflito entre eles.
     É impressionante como os jovens correspondem com maturidade ao que lhes é solicitado. No elenco, encabeçado por Yasmin e Hugo Bonemer, temos com destaque Caike Luna como Geraldo (vem do Paraná e tem longa experiência carioca); Daniele Falcone (Denise), praticamente em início de carreira, mas já apresentando maturidade, posto que sua experiência anterior é como garçonette-cantora do restaurante “Eclético”, o mesmo que apresenta, nas noites de 5ª e sábados, às 22h, o “show dos garçons cantores”. Quem sabe de lá não saem outros atores/cantores? 
     No elenco temos não só adolescentes: Juliane Bodini (24 anos) é Bianca; Sheila Matos está no papel de Alice, e Marcelo Nogueira, o grande intérprete de Chopin, em “Chopin e Sand”, é o ensemble de Guilherme Leme. Também canta e atua. Todos os componentes do elenco têm personagens e falas, assim o quis o autor Rodrigo. Não se está trabalhando com coro, mas com personagens. Impossível citar a todos, mas essa é uma maneira bem norte-americana (democrática) de fazer musicais. É uma boa ideia, e dá para apreciar o talento dos atores. Sinto muito não poder citar a todos. 
     O espetáculo é dividido em duas partes, e a apresentação dos cenários se desenvolverá, certamente, com os recursos apresentados pelo multiespaço da “grande sala”. Na primeira parte haverá a representação da universidade, da casa dos jovens e de uma loja de discos, com ações e música. Haverá, certamente, a grande troca de cenários quando, no segundo ato, a cena transformar-se-á em uma edição do “Rock in Rio”, (somente os gramados e os camarins). Nello Marrese e Natália Lana são os responsáveis pelos cenários. Figurinos multicoloridos de Thanara Schönardie. Paulo César Medeiros faz a luz (imagino a apoteose desse espetáculo!) e Alex Neoral assina as coreografias. Pela amostra que tivemos no último dia 18, “o canto dessa cidade é meu” é pouco para relatar o que vem por aí. Haverá uma opening night, um “soft opening” para testar (a abertura oficial da casa será em março) no próximo dia 3 de janeiro, avisa o presidente da Fundação Cidade das Artes, Emilio Kalil. Essa é uma iniciativa da “Aventura Entretenimento”, a partir de um sonho do criador do “Rock in Rio”, Roberto Medina, que desejou ver o seu festival em um teatro musicado. Os “aventureiros” (no bom sentido) dessa empreitada, os empresários Luiz Calainho, Anieta Jordan e Fernando Campos tornaram o sonho possível. Pelo acerto da empreitada, o sonho não irá transformar-se – nunca! – em um pesadelo. Tenham todos um bom espetáculo!                

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

"AVENIDA REVEILLON"

Marcelo Vianna, Lucília de Assis, Nedira Campos e Ettore Zuim, brindando o "Avenida Reveillon"
(Fotos Divulgação) 


CRITICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro)
(Especial)

Casarão Ameno Resedá, já ouviram falar? É bem ali, na voltinha da rua Bento Lisboa, quem vai em direção ao Largo do Machado, no número 4. Lá havia um casarão abandonado que chamava a atenção de quem passava pelo seu precário estado, em tão  bela construção. Pois esse casarão foi reformado e voltou aos seus dias de esplendor, tempo em que brilhava, na vizinhança do Presidente da República, perto do Palácio do Catete.
     Hoje o casarão se chama Ameno Resedá, e foi inaugurado em março de 2012. O nome vem como uma homenagem ao rancho de carnaval que levava seu nome. É lá, neste Ameno, que podemos assistir a um musical “de bolso”, o “Avenida Reveillon – um musical em Copacabana”, todos os domingos de dezembro, com início às 19h. É quando o Ameno Resedá festeja seu Reveillon. Texto e direção do “Avenida” são da pesquisadora Fátima Valença e coreografia de Sueli Guerra.
     Trata-se, na verdade, de  um show de músicas brasileiras, idealizado por Fátima Valença, Manuela Trindade e Rodrigo Lessa. Segundo fui informada, as letras das músicas surgiram no decorrer da criação do espetáculo, escritas por Manuela e musicadas por Rodrigo. Fátima as uniu em um texto teatral. Deu certo. Ao mesmo tempo em que se conta a história de dois casais (que podem também ser mãe e filha, pai e filha, etc.), vão sendo contados os acontecimentos que podem mudar a trajetória de suas vidas. E as músicas vão emendando as ações.
     Nesta “vida interpretada no palco”, Marcelo Vianna é Agnaldo, o eterno noivo: porém pego de surpresa em outros “papéis sociais”. Tudo é uma grande brincadeira, semelhante a um folhetim, e quem leva a melhor, sempre, é a plateia, que se diverte. Lucília de Assis é a noiva, mas também pode ser a Princesinha mimada; Ettore Zuim, em vários papéis, canta e dança, mudando de personalidade: ora é Eliseu, depois Beto, ou o Padre que acaba casando o relutante par, e Julinho, o amigo. Nedira Campos é a mãe da noiva, Dona Nair, e também a saltitante carioca descolada, Suely, que transforma o final em um verdadeiro folhetim!
     Passamos momentos agradáveis assistindo a estes quatro atores que possuem o espírito da comédia. É bom, e é gostoso estar ali, no “Ameno Resedá”. Neste novo local pode-se conversar com os amigos, “antes do show” e, uma vez iniciado o espetáculo, a plateia, interessada, segue o caminho que vão tomando os acontecimentos no palco.
     Palco e plateia (com lugar para 250 pessoas) é também um ótimo local para “shows” solo de cantores, como Elza Soares, que já se apresentou por lá. Este musical,  “Avenida Reveillon”, canta  Copacabana, narrando os acontecimentos do bairro. Há um vídeo, elaborado por Vitor Damasceno e Gustavo Junqueira, dando o clima da encenação. A ação se passa no palco. Entretanto, algumas vezes os atores cantam ou dialogam incluindo as mesas da plateia em sua ação. O local parece ser idealizado para shows, porém demonstra que  tem estrutura suficiente para proporcionar um espetáculo teatral.
     Neste “Avenida” são ao todo 12  músicas, compostas por Manuela, cantadas e encenadas pelos atores, obedecendo à estrutura dada pela diretora. As cenas se alternam, sem maiores preocupações estilísticas, e há momentos de pura descontração. O espetáculo tem início com a valsa “Copacabana”, cantada por Ettore Zuim e acompanhada pelo elenco, para, a seguir, ouvirmos “Rame Rame”, na interpretação de Lucília de Assis e Marcelo Vianna, peça descompromissada, que conta o encontro e desencontro de casais. A seguir Lucília de Assis interpreta  “Princesinha Underline 86”, uma música brejeira. Nedira Campos mostra seu lado cantora interpretando com acerto duas canções: “Ponto de Cruz” e “Meio a Meio”, esta última em dueto com Marcelo Vianna, que interpreta um solo em “Domingueira” e “Cabeça de Porco”. Junto com Lucília de Assis, Vianna canta  “Xodó”.
     Enfim, são momentos de pura delícia, em que ora um, ora outro dos atores sobressai. Trata-se de um jogo bem equilibrado que passa uma emoção ingênua a quem o assiste. Muito bom. Há músicos interpretando, ao vivo: no Piano temos Antonio Guerra; Violão e Bandolim, Rodrigo Lessa; Sax, José Carlos Bigorna/ Alexandre Caldi; Bateria, Cassius Petherson; Contrabaixo, Luís Louchard. Como podemos comprovar, ao assistir um espetáculo no Ameno Resedá  somos convidados a momentos de pura descontração. É o Rio dos verdadeiros cariocas, que recebe um público heterogêneo. Neste local tão carioca há espaço para várias manifestações culturais brasileiras, em seu artesanato, pintura, etc. É um espaço privilegiado e, conforme vamos subindo as escadas até o salão, vamos nos surpreendendo com o prédio, registro de um tempo passado precioso. O visitante sente-se bem acolhido. Trata-se de um local onde o público pode assistir a um musical (de “bolso”, ou de “câmara”), de alta qualidade. É como diz Carlos Lessa, em seu livro “O Rio de Todos os Brasís”, podemos sentir a “união da sofisticação com a informalidade”. Neste “Avenida Reveillon” podemos reencontrar o “carioca da gema”, cada vez mais ausente em nossos espetáculos.            

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

"NEY MATOGROSSO"

Ney Matogrosso em "Beijo Bandido", despedida da turnê, Rio de Janeiro, Theatro NET, dia 12 de dezembro de 2012.
(Foto Divulgação)

CRITICA TEATRAL
“BEIJO BANDIDO”
NEY MATOGROSSO
(MÚSICA E TEATRO)
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)

Ontem, dia 12 de dezembro, foi a despedida de Ney Matogrosso, no Theatro NET, Rio de Janeiro. “Beijo Bandido” em excursão nas principais capitais do país,  nestes últimos 4 anos,  volta ao Rio para se despedir em grande estilo. Iniciado, em setembro de 2009, esse show camerata mostra o cantor-ator em sua essência. Ele ama a plateia, faz amor com a plateia, e lança um desafio a ela: “não pense que você me tem”, em sua música encantadora de serpentes.
     William Burroughs, o mestre hippie diz: “fui escalado para o papel de Guardião, para criar e alimentar uma criatura que é parte gato, parte humana e parte algo ainda inimaginável, que pode resultar de uma união que não acontece há milhões de anos”.  Está enganado, o mestre. Essa união “que não acontece há milhões de anos” está acontecendo agora, e se concretizou em Ney Matogrosso. Leão, felino, gato. Seu refrão poderia ser “Há um felino dentro de mim” – como na canção de Rita Lee (não é à toa que ele nasceu no dia 1º de agosto). Porém, essa constatação poderia ser muito óbvia, posto que todos sabem que Ney Matogrosso é um felino. Mas não é tão óbvia assim.
      Em “Beijo Bandido”, dessa vez, Ney retornou à música introspectiva, deixando o tom “extrovertido” de seus shows mais conhecidos. Aliás, desde 1978, com “Pescador de Pérolas”, que Ney vem alternando apresentações clássicas, em que a linda tessitura  de sua voz de contratenor (o equivalente ao contralto, na mulher) é apropriada para esse tipo de apresentação e é também uma característica de sua  personalidade. Neste clássico “Beijo Bandido” ele volta a vestir “discretamente” terno e gravata (criação de Orsimar Versolato), embora essa gravata mais pareça um lenço de pirata. O cenário é em tule de filó preto, e tem uma projeção, ao fundo, com Ney reproduzindo a sua imagem, ao cantar. Perdoem-me, pois não consegui saber de quem é o cenário. É interessante. Mais tarde acrescentarei. Esse é o “no stress” do blog.
     Tanto o repertório de Ney, quanto os músicos que o acompanham, exibem um jeito intimista, “camerístico”, de ser, e de fazer música, embora alguns requebros, sua marca registrada, surjam. O público demonstra que tem paixão por esse cantor versátil e inteligente que é Ney Matogrosso. Para alguns, que o conhecem desde os tempos de hippie em Santa Teresa, o amor que desperta é uma constatação. Para outros, que o acompanham desde os tempos dos Secos & Molhados - e outros ainda, que leem as suas entrevistas, todos eles sabem que Ney é um artista coerente com suas ideias. Para as mulheres, em particular, ele abre um novo caminho, o da androginia, cortando a barreira entre feminino e masculino, o que as encanta.
     Quanto à sua atuação no palco, Ney leva a plateia à loucura. Neste “Beijo Bandido”, desde seu começo, quando canta “Tango para Teresa” (de Evaldo Gouveia e Jair Amorim), até o momento em que tira o casaco de forro vermelho e, qual um toureiro com sua capa, começa a “tourear” o público (veja a foto), essa fera, ainda contida, às vezes inspira ternura (!) com seu sorriso de menino, ou nos ameaça com um olhar severo,  que remete aos tempos de “Sangue Latino”. Ops! Lá pela quarta música, eis que surge “Invento”, de Vitor Ramil, a razão de ser do título do show, o beijo bandido. É tudo teatro, e do mais  puro. Aliás, ser ator foi o seu primeiro movimento, e ele o concretiza no palco com os shows, e agora também no cinema, onde faz o maior sucesso em “Luz nas Trevas – A Volta do Bandido da Luz Vermelha” (argumento de Rogério Esganzerla, direção de Helena Ignez), onde canta o memorável “Sangue Latino”, autoria de João Ricardo (o produtor/cantor que o convidou para participar do Secos & Molhados), e Paulinho Mendonça.   
     Na despedida da turnê “Beijo Bandido”, no Rio de janeiro, Ney Matogrosso é acompanhado por Leandro Braga (que também é o diretor musical e arranjador), ao piano; Alexandre Casado (violino e bandolim); Felipe Roseno (percussão); Lui Coimbra (violoncelo e violão). A música que mais empolga o público (pelo menos no último dia) é “Bicho de Sete Cabeças”, de Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, Renato Rocha. Tem também “Mulher sem razão”, de Cazuza, Bebel Gilberto e Dé Palmeira).
     Mas o público também vem abaixo quando Ney canta - aliás, todas, mas, e principalmente: “Segredo”, de Herivelto Martins e Marino Pinto; “Medo de Amar”, de Vinicius de Moraes; e  “Fascinação”, canção francesa tantas vezes traduzida. Ney cantou a tradução clássica de Armando Louzada, segunda parte, e esse foi um momento de intensa emoção: “Os sonhos mais lindos sonhei/ de quimeras mil um castelo ergui/ E no teu olhar/ Tonto de emoção/ com sofreguidão/ mil venturas previ!” música original de Maurice Féraudy e Dante Pilade. Ouve-se gritos de “gostoso”, e assobios, e palmas demoradas a cada música.  O show se encerra com “Fala”, de João Ricardo e Secos & Molhados): “Eu não sei dizer/ Nada por dizer/ Então eu escuto...//.
     Ney Matogrosso vai continuar alternando introspecção e extroversão, na linha de seus shows. O anterior, “Inclassificáveis”, teve um repertório de rock. Esse “Beijo Bandido” é intimista, e o próximo será... ? Aguardemos! Andei vasculhando e descobri que o próximo show será de rock, com uma banda chamada “Zabomba”; um compositor chamado Vitor Pirralho, e outros ainda, inclusive um chamado Tono. Gente nova. Um novo encontro marcado com Ney Matogrosso. Falando em Ney, esse ator/cantor já tem mais dois filmes engatilhados, prontos para serem exibidos. Ele não para: é que nem o “tempo”, na música de Cazuza. Só que Ney desmoralizou o “tempo”. Que efebo é esse?  Vem uma nova cronologia por aí.   

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

"ORÉSTIA"

Elenco de "Oréstia", de Ésquilo.
(foto divulgação)



CRITICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro)
(Especial)


Vocês querem a verdade? Pois a verdade dói. A “Oréstia”, a tragédia dos Átridas, em cartaz no Teatro Laura Alvim, direção de Malu Galli, é uma decepção. Como não quero atrair a ira dos deuses sobre mim, e como essa nefanda missão crítica de apontar erros e acertos em uma tragédia é também uma tragédia, procurarei amenizar as consequências  começando pelos acertos: para contar essa historia de crenças, oráculos, previsões e lutos, há, entre os atores dessa “Oréstia”, uma “pequena gigante” atriz, Daniela Fortes,  no papel de Cassandra. Ela realiza as previsões como se uma Isabelle Huppert brasileira fosse (a cena das visões é a mesma em que Hedda Gabler (direção de Eric Cascade, Théâtre Odéon), queima - no caldeirão - a obra-prima de seu amante. As duas são bruxas, no melhor sentido). Há também outra atriz, Gisele Fróes, que coloca a cena grega em seu lugar, ao interferir como Atená, no julgamento final de Apolo, na visão de Ésquilo sobre a queda do matriarcado.
     O mundo não mudou, pelo menos até agora, e a solução de conciliação entre os sexos enfraquece os “fazedores de concessões” – como Atená, a deusa da sabedoria. Neste texto de Ésquilo, a deusa, ao querer converter a humanidade em um monumento à inteligência, acaba fazendo concessão à força. Sim, porque Agamenon (em tempos de guerra) sacrificou sua filha Ifigênia e “não” atraiu a cólera dos deuses, muito pelo contrario, os acalmou, ao dedicar a eles o sacrifício, para vencer em Troia. Esse gesto de Agamenon atraiu a cólera de uma mãe ultrajada: Clitemnestra, a mais forte das heroínas gregas – e a mais vulnerável. Malu Galli, interpretando-a e a dirigindo, deixou-se cair em uma armadilha: não é tão fácil assim “falar” com Ésquilo. Ela reuniu, em pouco mais de uma hora, a Trilogia, e fez os dois papéis: Clitemnestra e Electra. Podemos até entender Malu Gali. Ela tentou, mas não conseguiu o seu “morceau de bravure”.   
     Há momentos que poderiam ser belos, nesta versão de “Oréstia”, mas que são mal aproveitados. Exemplo: o início, a narrativa da trajetoria dos gregos e seus mitos. E tantos outros momentos, como a da tragédia de Ifigênia, enganada e assassinada pelo pai, ou as libações funerárias de Clitemnestra. Quanto ao elenco escolhido pela diretora, há acertos e erros. Luciano Chirolli, por exemplo,  possui péssima dicção (o que não se perdoa em ator de tragédia grega), há momentos em que não entendemos o que ele emite, há problemas de respiração. Entretanto, ele consegue um entrosamento final, em seu papel de Corifeu (o que acompanha todos os momentos), interpretando, no final, as Eríneas - as Fúrias - defensoras do matriarcado. Na cena final da peça Chirolli acerta, deixando-se tomar pelo espírito das “fúrias”. A tentativa de Atená (Gisele Fróes), de transformá-las em dóceis Eumênides, não é por elas bem recebida, porém, com as doces propostas da deusa, acabam capitulando. Essa capitulação só exalta a vitoria do patriarcado (de graves consequências para a humanidade, pois não?). Sim, fiz uma leitura da “Oréstia” do ponto de vista da mulher. Mas não do ponto de vista da matricida Electra, a filha vingadora da morte do pai.  
     Quanto aos atores, Otto Jr. e Julio Machado não possuem carisma e força para os papeis a que foram escalados. Machado ainda defende com bravura o seu Orestes, o que não chega a ser uma vitoria. O imperdoável, mesmo, nessa montagem, são os microfones para ampliar a voz do coro e para as vozes do Olimpo, que não deviam precisar de microfone. Apolo (Otto Jr.), o reivindicador, perde a força ao ter que segurar aquele erótico aparelho. (Perdão!). Quanto à ficha técnica, a produção foi cercada de todos os cuidados, pelo menos no que se refere à orientação corporal de Dani Lima e à luz de Maneco Quinderé. 
     A preparação vocal de Leticia Carvalho deixa a desejar, o mesmo acontecendo com os figurinos de Claudia Kopke e Marina Franco. Romulo Fróes e Cacá Machado, com suas músicas, apresentam boas propostas. As letras das canções, as declamações do elenco são dos mesmos autores, inspirados no texto de  Ésquilo. Se “direção de arte” envolve perucas (o que não acredito), Afonso Tostes precisa impor detalhes técnicos a elas, o mesmo não ocorrendo com o cenário, de sua autoria: esse causa um forte impacto (positivo) sobre a cena. A tradução (direta do original) é de Alexandre Costa e Patrick Pessoa, esse último também responsável pela dramaturgia. Malu Galli fica nos devendo a matriarca enfurecida: ao tentar defender seu papel de mulher enfrentando o domínio do homem, não ouvimos os gritos e protestos de Clitemnestra! Vemos o patriarcado vencer (meio à força, aqui nos trópicos ocidentais), no final da tragédia (preciso vê-la no Festival de Atenas!). Para saber se Apolo é culpado ou inocente por instigar Orestes a matar sua mãe, Atená (Gisele Fróes dá o tom certo para a deusa) comanda o julgamento. A votação, na concepção de Malu Galli, é feita por dez espectadores. Apolo perde – e não há “voto de Minerva” que o salve – ele perde de 8 a 2! As mulheres sempre são maioria, na plateia! Quem quiser saber (um pouco) dessa trágica historia de sangue e compulsão dos “Átridas”, vá assisti-la no Laura Alvim. Mas vá prevenida. Tenham todos um bom espetáculo!                          


segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

"CALANGO DEU!"

Suzana Nascimento e seu bandolim, em "Calango Deu!"
(foto Sergio Santoian)

CRITICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro)
(Especial)

 É um prazer conhecer Dona Zaninha. Ela agora está em cartaz no Teatro Café Pequeno. Até o dia 9 de dezembro, com “Calango Deu!”. Não percam tempo, vai ter até sessão extra no próximo domingo, pois o teatro “não dá conta”! Pois é, a gente sai de lá até falando “mineirêz”! Não se sabe quantas vezes o sino toca, chamando pro espetáculo. Não sei o que Molière  pensaria dessas batidas, acho que iria gostar. Mas que é bem diferente das “batidas” dele, ah, lá isso é!
     Suzana Nascimento, mineira de Juiz de Fora, formada pela Casa das Artes de Laranjeiras, é uma incansável “show-woman”. Não se pode fazer essa crítica dentro do espírito da “Dona Zaninha”, senão o tal de “show-woman” vai pro espaço. O que estou querendo dizer é que Suzana Nascimento canta, conta histórias, toca instrumentos e se movimenta pelo cenário sem nunca perder o fio da meada. É surpreendente.
      Em cena, ela chega a fazer a proeza de entrar em contato com alguém na plateia (a interação palco/plateia é absoluta), e retomar esse contato quase no final do espetáculo, sem perder o fio da meada. É que o público entrou, de tal maneira, na vida louca do planeta Minas, que já não se admira de mais nada. É claro que a atriz tem a orientá-la a tessitura dos detalhes, criados pela sensibilidade do diretor Isaac Bernat. E tem, também, a inspiração dos “amigos” Guimarães (principalmente esse Guimarães Rosa!), Barros, Drummond e Queirós (Bartolomeu Campos de, recentemente falecido). E ainda: Dona Zaninha é instigada por Francisco Gregório Filho, o mestre dos contadores de histórias.
     Mas voltemos ao Guimarães. Suzana Nascimento consegue a proeza de inventar uma versão caseira do espírito do jagunço criador de palavras, de Rosa. A prosódia encanta. E as definições? “A infelicidade é um caso de prefixo”, ou as histórias da sapiência milenar oriental “quando um velho morre, uma biblioteca se incendeia” (trazido, certamente, por Bernat), louvando a “contação de histórias”? O próprio diretor, segundo o programa, é um seguidor das histórias africanas.
     E vocês querem coisa mais deliciosa (e maldosa, dentro do espírito caipira), do que a resposta da “noiva” a seus pretendentes? (quem quiser saber da história, que vá ouvir o causo!), ou a construção da vingança do “Podela”? E a história dos ovos “pôche”? (prá ôce”), e a referência às “ervas finas”? As receitas... E por aí vai, até a música final, tirada por Zaninha das cordas do bandolim. Essa música toca as cordas do nosso coração. Deixo a surpresa para quem a for ouvir, mas conto quem a ensinou: Pedro Amorim, o excelente preparador musical.
     Prossigo com a ficha técnica afinada: Aurelio de Simoni, na iluminação, faz a luz dançar, ampliando o espaço e iluminando os pequenos palcos. Sim, porque o cenário de Desirée Bastos vai se desdobrando em pequenos palcos, abrindo cenas, conforme Dona Zaninha necessita de espaço. Ah! esse “Zaninha” é o apelido de infância de Suzana Nascimento. Imaginamos que “Calango Deu!” é a peça de sua vida, de seu coração, porque leva à cena a experiência familiar, a árvore genealógica da atriz. Ela está toda lá, no palco! É tudo tão autobiográfico, que a emoção nos ronda, a nós, a plateia. E isso é fascinante. 
     Mas voltemos às pequenas cenas: Desirée imaginou oratórios que guardam álbuns de família, em vez de santos; armários com panelas; portas e cercados - de tal maneira que os espaços vão se construindo, à medida que Zaninha vai contando as suas histórias. Esse espetáculo é uma homenagem aos contadores de histórias. Muito bem imaginado. Como também o figurino criado por Desirée, em tons pastéis, delicado, porém com a capacidade de se adaptar às cenas. A direção de movimento é de Marcelle Sampaio.
     Raquel Alvarenga fez um projeto gráfico primoroso. No programa há o roteiro dos caminhos de Zaninha. Não há como as pessoas se perderem. Suspeito até que atriz e diretor se socorreram dele! São tantas as ações, que é necessária a memória prodigiosa dos artistas para não se perder naquele labirinto. O café mineiro também tem seu papel na ação. E o público se rejubila, e passa no “boca a boca” essa história de Dona Zaninha fazer café em cena, e oferecer ao público, como se estivesse em sua casa. E está! A edição de som é de André Poyart; e Chico Werneck gravou na sanfona o Trenzinho do Caipira, de Villa Lobos, tocado no início. Tem uma hora que a atriz/personagem embarca nesse trem, e dá uma explicação hilária (e poética) do porquê do mineiro gostar tanto de trem.
     Pra finalizar, o programa, bem escrito, explica o que é o Calango: “é um gênero poético-musical típico do interior, cantado em rimas improvisadas ou decoradas, carregadas de humor. Em Minas tem calango pra mais de metro, cantado e dançado”. Não percam essa Zaninha! É bom, ver bom teatro.